LAPASSADE, Georges. Grupos, organizações e
instituições. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983.
«A ambição da
classe ascendente é sempre, no sentido, do controle do Estado» (LAPASSADE, 1983, p. 20).
«A sociedade
capitalista e burguesa só deixará de existir efetivamente quando houver perdido
a cabeça, quando houver sido decapitada. Um Rei decapitado: eis o símbolo mais
direto da revolução» (LAPASSADE,
1983, p. 20).
«O Estado cumpre
essa função de encobrimento "ideológico" através das mediações institucionais
que penetram em toda a sociedade. O Estado controla a educação, a informação e
a cultura. O Estado mantém o que não é dito, suscitando em todo lugar — na imprensa, nas conversações
quotidianas —
a
autocensura, as normas que proíbe a verdadeira comunicação. A contraprova disso
é a liberação da palavra na crise revolucionária, quando se suspende a
repressão. O que é mais reprimido é a Revolução. É para evita-la que as
ideologias e as instituições dominantes funcionam e mantêm a adesão coletiva ao
domínio, ao mesmo tempo em que evitam o conflito e a luta que poderiam por
termo à dominação. Em tal conflito o sociólogo não é neutro. O seu papel
habitual é forjar uma ideologia, é preencher o silêncio da sociedade por meio
de um discurso falso sobre esse silêncio, cobrir permanentemente o "vazio"
das significações sociais, produzir "significações" para eliminar o sentido.
Por isso, a sociologia é um sintoma da sociedade. É por esse motivo que a
contestação da Sociedade moderna implica que os sociólogos se contestem a eles
próprios»
(LAPASSADE,
1983, p. 23).
«O
conflito central, em nossa sociedade, não é "conflito de gerações": é a luta de classe. A
recusa de integração social pela jovem geração torna-se, no entanto, ou melhor,
já é uma recusa da sociedade de classes, descoberta e rejeitada numa
instituição social específica. Nessas sociedades, os jovens são dominados. É deles, e mediante a sua recusa, que pode
vir uma verdadeira transformação do sistema de formação e de enquadramento dos
jovens» (LAPASSADE,
1983, p. 25).
«Os jovens
reencontram a eficácia da ação direta, da transgressão das normas instituídas» (LAPASSADE, 1983, p. 25).
«A função
integradora das instituições, a tarefa permanente de evitar conflitos e de
dissimulá-los aparecem aos olhos de todos. O que se chama algumas vezes de "crise" de "civilização"
é, em primeiro lugar e antes de mais nada, a crise das instituições que
fundamentam e protegem essa civilização, que asseguram a difusão de suas
mensagens, que transmitem as ideologias dominantes, que asseguram a
estabilidade e a manutenção da ordem. Atrás dessa ordem, há sempre as forças de
repressão»
(LAPASSADE,
1983, p. 26).
«O Estado não é
nada, desde que não encontre apoio nas "instituições dominantes" — [...] essas instituições só se mantêm por meio de sustentáculo do
Estado e de seu aparelho de repressão. Assim, por exemplo, quando a instituição
universitária não pode mais garantir a ordem interna das universidades, a
Polícia do estado toma imediatamente o lugar de todas as polícias culturais em
crise. O Estado mantém as instituições pelo medo dos cidadãos. Ao mesmo tempo,
essas instituições consolidam o Poder do Estado e, por meio disso, o poder das
classes dominantes, no conjunto da sociedade» (LAPASSADE, 1983, p. 27-28). Veja-se, em Durkheim, a
legitimação do instituído que lhe parecia como se fora algo "natural", necessária e
indispensável. Aqui já havíamos nos esquecido de Marx (essa última crítica é,
também, de Lapassade).
«O sistema da
verdadeira autogestão deveria por termo à separação entre dirigentes e os que
executam, entre os que governam e os que são governados. Quem admite, hoje em
dia, [no ano de 1966] a validade desse programa? Habituamo-nos, desde a
infância, a considerar essas relações como dados naturais, e eternos, da
existência social. O papel da escola é essencial no sentido de preparar os
homens para aceitar essa organização da separação. Compreende-se assim que é
preciso mudar a escola se quisermos, verdadeiramente, mudar a sociedade» (LAPASSADE, 1983, p. 36-37).
Com relação aos
objetivos da educação «o que pertence com exclusividade à escola não-diretiva é
o seguinte: os objetivos que se reconhecem são os dos indivíduos formados, e
não mais os dos professores. [...] O método não-diretivo é mais fino hoje em
dia, parecendo mesmo dispensar a manipulação. [...] A não-diretividade
rogeriana define-se mais explicitamente em função da mudança individual e
coletiva, quer dizer, em função do inacabado humano » (LAPASSADE, 1983, p. 59-60). [A
manipulação na maiêutica de Sócrates ao fazer uso de artifícios para conduzir a
discussão e que está também presente em Rousseau e seu Emílio]. (Os comentários
sobre a manipulação são Lapassade em nota-de-rodapé).
«Sabe-se que em
política o reformismo é a "revolução feita pela burocracia"» (LAPASSADE, 1983, p. 60).
«Na doutrina
original de Carl Rogers a não-diretividade individual ou social não coloca em
questão a diretividade estrutural. Em outros termos: a autoformação
não-diretiva não se funda na autogestão dessa formação. Em sua contradição
central» (LAPASSADE,
1983, p. 61).
«A autoformação, a
autogestão educativa e a pedagogia institucional implicam, ao contrário, de
parte dos alunos, uma atividade de instituir. [...] Descobriremos assim que a
verdadeira não-diretividade educativa supõe que se ascenda do nível dos grupos
ao nível das instituições. [...] A verdadeira autogestão social não é apenas a
autogestão das empresas, das escolas e das organizações sociais de base; é, se
isso é possível, a autogestão da sociedade em seu conjunto. É o desaparecimento
do Estado e a sua substituição por uma auto-regulação não burocrática das
relações entre os grupos e as organizações que constituem uma sociedade» (LAPASSADE, 1983, p. 62).
«A burocracia é
assim uma forma de organização da produção: há burocracia quando a organização
da sociedade tornou-se propriedade privada de alguns. A burocracia é assim uma
estrutura social e um sistema de poder cuja primeira forma histórica é o modo
de produção dito "asiático", que prefiro chamar de modo de produção burocrático» (LAPASSADE, 1983, p. 110).
«O indivíduo, homem
livre no seio de sua comunidade, não é protegido por essa liberdade e por essa
comunidade, da dependência com relação ao Estado, com relação ao déspota. A
exploração do homem pelo homem assume, no seio do modo de produção burocrático,
uma forma que Stuart Mill chama de "escravatura política" e Marx chama de "escravatura
organizada"»
(LAPASSADE,
1983, p. 111).
«A burocracia não
existe no exército, mas nas instituições que o servem. Entre nós», afirma Lênin
«a origem econômica do burocratismo é diferente: é o isolamento, a dispersão
dos pequenos produtores, a sua miséria, a sua falta de cultura, a falta de
estradas, o analfabetismo, a falta de trocas entre a agricultura e a indústria,
a ausência de ligação, de ação recíproca entre elas» (LENIN apud LAPASSADE, 1983, p.
117).
Para Max Weber a
burocracia já não é mais um aparelho. Ela institui-se como nova classe
dirigente na sociedade. Para esse pensador «a burocracia de Estado dominaria,
sozinha, desde que desaparecesse o capitalismo» (WEBER apud LAPASSADE, 1983, p. 142).
«A linguagem designa com a mesma
palavra, burocracia, três distintas realidades: 1. Um tipo de organização
definido como sistema preciso e hierarquizado de funções e não de indivíduos.
2. Um tipo de funcionamento de organizações marcado por uma fidelidade
excessiva à letra dos regulamentos e por uma rotina que resiste à transformação
desses regulamentos. 3. O poder exercido pelos dirigentes das grandes
organizações e, sobretudo, das organizações voluntárias» (TOURAINE, 1960 apud LAPASSADE,
1983, p. 164).
Segundo Wright
Mills, em sociologia, o "empirismo
abstrato" é o método baseado na estatística e entrevistas codificadas e em
cartões perfurados. Trata-se de um método cuja autoridade reside na utilização
de cifras que o torna um ídolo que se nos apresenta como o único caminho
rigoroso. Sendo esse cientificismo sintoma de burocratismo intelectual. «Para o burocrata,
o mundo é um universo de fatos a administrar segundo algumas regras rígidas.
Para o teórico, o mundo é um universo de conceitos a serem manipulados, muitas
vezes sem qualquer regra que se possa discernir. A teoria serve, de muitas
maneiras, para justificar ideologicamente a autoridade. A pesquisa com
finalidades burocráticas serve para tornar mais manifesta e mais operante a
autoridade, fornecendo informações utilizáveis por planificadores autoritários».
Concluindo: recorrendo
à linguagem de Nizan, pode-se afirmar que para Mills, os "empiristas abstratos" se
tornaram na pesquisa e por meio da mesma os "cães de guarda da burocracia"
(MILLS
apud LAPASSADE, 1983, p. 172-173).
O burocratismo
baseia-se em uma pedagogia. Aqui a diretividade burocrática compõe o sistema de
comunicações. «Encontram-se esquemas análogos em outros domínios da vida
social, por exemplo, na escola e em muitas concepções industriais da formação.
O desenvolvimento dos métodos não-diretivos de formação pôs em relevo esse
aspecto: as técnicas diretivas não admitem que o saber, ou a habilidade, possam
vir das camadas baixas: isso é contrário às normas de uma hierarquização
vertical do poder, e, portanto, do saber. O ensino tradicional, na escola, na
Universidade, é geralmente autoritário e diretivo, fundado na ordem
burocrática. A crítica da pedagogia tradicional e, assim, uma crítica da
burocracia» (LAPASSADE,
1983, p. 178).
Dessa
maneira «forma-se o indivíduo heterônomo, armado, segundo Riesmann, de um radar
para se adaptar à sociedade burocratizada e se conduzir no terreno social.
Nessa sociedade, a criança começa por aprender a comportar-se como um bom
membro do grupo» (LAPASSADE,
1983, p. 179).
«A realização do
socialismo supõe, primeiramente, a tomada do poder, e esse objetivo intermediário,
tornado principal e mesmo único, acaba por determinar a ideologia e o conjunto
das atividades do Partido» (LAPASSADE, 1983, p. 181).
«Nunca é demais
sublinhar: a burocracia é a organização do poder» (LAPASSADE, 1983, p. 183).
«Todas as relações
do ensino são, em realidade, relações hierárquicas que se justificam
hipocritamente pelas exigências da formação e da cultura» (LAPASSADE, 1983, p. 209).
Na modernidade, o
exame é um dos motores do ensino. No entanto, o exame não é, de maneira alguma,
uma medida das aptidões reais adquiridas, «o exame é apenas uma medida da
eficiência da preparação para o exame, quer dizer, uma medida de conhecimentos
adquiridos para o exame, sem que haja preocupação em apurar se tais
conhecimentos persistem depois e apesar do exame, e se eles trouxeram o gosto
ou o desgosto do saber. [...] O exame é, sobretudo o marco visível, o critério,
o sistema de medidas do professor. Esse, que é um burocrata, tem necessidade de
conhecer as normas de seu trabalho, e essas não podem de forma alguma ser o
desenvolvimento real dos seres que lhe são confiados» (H. PIERON, 1963 apud LAPASSADE,
1983, p. 209).
«É falso
dizer: eu penso; dever-se-ia dizer: alguém me pensa» (Arthur Rimbaud)