quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Emma Goldman: a morte de Kronstadt


A MORTE DE KRONSTADT

«O canhoneio de Kronstadt continuou sem interrupção durante dez dias e dez noites, e cessou subitamente na manhã de 17 de março. O silêncio que cobriu Petrogrado foi mais terrível que os tiros incessantes da noite anterior. A agonia da espera apossou-se de todos nós. Era impossível saber o que havia acontecido e por que o bombardeio havia cessado bruscamente. No final da tarde a tensão deu lugar a um horror mudo. Kronstadt havia sido subjugada… Dezenas de milhares de homens assassinados a cidade mergulhada em sangue. A neve tornou-se o túmulo de um grande número de homens, kursanty e jovens comunistas, cuja artilharia pesada tinha fendido o gelo. Os heróicos marinheiros e soldados tinham defendido suas posições até o último sopro de vida. Aqueles que não tiveram a chance de morrer combatendo caíram nas mãos do inimigo para serem executados ou enviados à lenta tortura das regiões geladas do norte da Rússia… Eu sentia os membros pesados como chumbo, uma fadiga imensa em cada nervo. Sentada, inerte, eu olhava a noite. Petrogrado estava coberta por uma negra mortalha, um cadáver assustador!... As lâmpadas das ruas piscavam suas luzes amarelas, como círios colocados à cabeça ou aos pés do morto. No dia seguinte, 18 de março, ainda meio adormecida após a falta de sono durante os 17 dias de angústia, fui despertada pelo estrépido de muitos passos. Os comunistas passavam marchando, as músicas imitavam as marchas militares e cantava-se a Internacional. Seus tons, outrora jubilosos aos meus ouvidos, soavam agora como um canto fúnebre pela esperança ardente da humanidade. 18 de março: aniversário da Comuna de Paris de 1871… esmagada dois meses depois por Thiers e Gallifet, os carniceiros de 30.000 comuneiros! Imitados em Kronstadt, a 18 de março de 1921» (ARVON, 1984, p. 77 apud GOLDMAN).
 
(Texto extraído de Linving my Life, autobiografia de Emma Goldman).

PS.:

1. Posicionamento de Leon Trotsky [Lev Davidovich Bronstein – 1879-1940]

è Assina o Ultimato em 5 de março de 1921:

«O governo operário e camponês ordena a Kronstadt que coloque, sem demora, Kronstadt e os navios amotinados à disposição da República Soviética. Ordeno pois, a todos aqueles que levantaram a mão contra a pátria socialista, que deponham imediatamente as armas, que desarmem os que se obstinam e que entreguem-nos às autoridades soviéticas, que libertem imediatamente os comissários e os representantes do poder. Somente aqueles que se renderem sem condições poderão contar com a clemência da República Soviética. Ao mesmo tempo, dou ordens para a preparação e o esmagamento da rebelião e dos amotinados pela força armada. A responsabilidade pela desgraça que se abater em consequência sobre a população pacífica repousará inteiramente sobre os ombros dos insurretos. A presente advertência é a última» (ARVON, 1984, p. 60).

2. Posicionamento de Zinoviev [Diretor do Comitê de Defesa de Petrogrado]

è Assina mensagem  de Kronstadt em 5 de março de 1921:

«Aos de Kronstadt, enganados: Agora vocês percebem aonde foram levados pelos patifes? Eis onde vocês estão!... Todos esses Petrichenko e outros Tukin (membro do Comitê Revolucionário Provisório encarregado do abastecimento, ex-soldado e, segundo os bolcheviques, proprietário de seis casas e de três lojas em Petrogrado) são manipulados como marionetes pelo general czarista Kozlovsky, pelos capitães e outros guardas brancos reconhecidos. Vocês estão sendo enganados!... Vocês estão cercados por todos os lados. Algumas horas mais e serão obrigados a render-se. Kronstadt está sem pão e sem combustíveis.  Se vocês persistirem serão caçados como perdizes. Todos esses generais de Kozlovsky, todos esses patifes como Petrichenko, Tukin… fugirão no último minuto… Rendam-se imediatamente sem perder um minuto. Aquele que se render voluntariamente será perdoado. Rendam-se imediatamente» (ARVON, 1984, p. 61).

ARVON, Henri. A revolta de Kronstadt. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984. Tradução de: Elvira Serapico.

domingo, 23 de setembro de 2012

Do altruísmo e egoísmo

Do altruísmo e egoísmo


 
ARISTÓTELES. Política. São Paulo: Nova Cultural, 2000. 315p.
 
«O egoísmo é condenado, como convém; ser egoísta, porém, não significa simplesmente amar a si mesmo, mas sim amar a si mesmo em excesso» (ARISTÓTELES, 2000, p. 177).
 
DAWKINS, Richard. O gene egoísta. Rio de Janeiro: Itatiaia, 2001, 230p.
«Uma entidade [...] é dita altruísta se ela se comporta de maneira a aumentar o bem-estar de outra entidade semelhante, às suas próprias custas» (DAWKINS, 2001, p. 24).
«Verifica-se frequentemente que atos de aparente altruísmo na realidade são egoísmo disfarçado» (DAWKINS, 2001, p. 24).
FROMM, Erich. Análise do homem. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1963.
 
«‘Não seja egoísta’ transforma-se em uma das mais poderosas ferramentas ideológicas para suprimir a espontaneidade e o livre desenvolvimento da personalidade. Sob a pressão desse slogan, pede-se à gente todo sacrifício e submissão completa: somente são ‘desinteressados’ os atos que não atendem ao indivíduo, mas a alguém ou algo a ele estranho» (FROMM, 1963, p. 118).
«A falência da cultura moderna não está no princípio do individualismo, nem na ideia de que virtude moral é a mesma coisa que satisfação do interesse próprio; porém na deterioração do significado de interesse próprio. Hodiernamente o indivíduo não se preocupa com seu eu real e não tem amor a si próprio» (FROMM, 1963, p. 128).
KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. São Paulo: Martin Claret, 2005, 182p.
«A união de todas as inclinações (que podem também ser integradas em um sistema, e cuja satisfação se denomina felicidade pessoal) constituem o egoísmo [Selbstsucht] (solipsismus). O egoísmo é ou o amor de si [Selbstliebe], a benevolência [Wohlwollen] acima de tudo para consigo mesmo (philautia), ou a complacência [Wohlgefallen] de si próprio (arrogantia). O primeiro denominamos particularmente amor-próprio [Eigenliebe], e a outra, presunção [Eigendünkel]. A razão pura prática causa unicamente dano ao amor-próprio, por impor-lhe limites estritamente justos e que correspondem à lei moral; estando, ainda antes de esta manifestar-se, natural e vivo em nós; então, é chamado de amor de si racional» (KANT, 2005, p. 83).

ZIZEK, Slavoj.  Em defesa das causas perdidas. São Paulo: Boitempo, 2011. Tradução: Maria Beatriz de Medina.
 
«Rousseau já havia observado que o egoísmo, ou a preocupação com o próprio bem estar, não se opõe ao bem comum, já que é possível deduzir facilmente normas altruístas a partir de preocupações egoístas» (ZIZEK, 2011, p. 345).
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Vontade de potência. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d. 330p.

«Que é o altruísmo cristão senão o egoísmo coletivo dos fracos que descobre que, se todos velarem uns pelos outros, cada um será conservado por maior tempo?» (NIETZSCHE. S/d. p. 155).

«Toda ação perfeita é precisamente inconsciente e não desejada; a consciência expressa estado pessoal imperfeito e ordinariamente doentio. A perfeição individual condicionada pela vontade sob a forma de consciência, de razão, com a dialética, é caricatura, espécie de contradição de si mesma... O grau de consciência torna a perfeição impossível... Uma das formas do charlatanismo» (NIETZSCHE. S/d. p. 160).

«O egoísmo é a intensificação do eu, o altruísmo a intensificação do não-eu» (NIETZSCHE, S/d, p. 175).
 
ROMMEN, Heinrich A. O Estado no pensamento católico: tratado de filosofia política. São Paulo: Edições Paulinas, 1967, 699p.
«As verdadeiras comunidades de vida (a família, a Igreja, o Estado) não existem pela forma legal, elas vivem e são nutridas pela força do amor, pela fé, fidelidade, piedade, obediência, graça. São ameaçadas pela oposição dos vícios de egoísmo, perfídia, ambição do poder, revolta, amor próprio, infidelidade, traição da confiança mútua» (ROMMEN, 1967, p. 273).
 
WILDE, Oscar. A alma do homem sob o socialismo.  L&PM. Porto Alegre. 2005.  92p.

«Ou então é costume chamar egoísta a um homem cuja maneira de viver lhe pareça a mais adequada para a expressão plena de sua individualidade; em verdade um homem cujo objetivo primordial na vida seja o aperfeiçoamento de si mesmo. Mas esta é a maneira como todos deveriam viver. Egoísmo não significa viver como se deseja, mas sim pedir aos outros que vivam como se deseja. […] Não é egoísmo pensar por si mesmo. Um homem que não pensa por si mesmo, simplesmente não pensa» (WILDE. 2005. p.75).
 
STIRNER, Max. Algumas observações provisórias a respeito do estado fundado no amor. In: Textos dispersos. Lisboa: Via, 1979.

«Costuma-se opor o egoísmo ao amor porque está na natureza do egoísta o agir sem contemplações e sem piedade para com os outros. Se postularmos que o valor do homem estaria em ser determinado por si mesmo e em não se deixar determinar por uma coisa ou uma pessoa alheias, sendo antes o seu próprio criador, englobando assim, num só, o criador e a criatura, é indubitável que o egoísta é o que está mais afastado da finalidade cristã» (STIRNER, 1979, p. 119).
 
STIRNER, Max. O único e a sua propriedade. Lisboa: Portugal. Antígona, 2004, 339p.

«A minha causa é a causa de nada. Há tanta coisa a querer ser a minha causa! A começar pela boa causa, depois a causa de Deus, a causa da humanidade, da verdade, da liberdade, do humanitarismo, da justiça; para além disso, a causa do meu povo, do meu príncipe, da minha pátria, e finalmente até a causa do espírito e milhares de outras. A única coisa que não está prevista é que a minha causa seja a causa de mim mesmo! ‘Que vergonha, a deste egoísmo que só pensa em si!’»(STIRNER, 2004, p. 9).
 
«É certo que de modo nenhum se pode viver tranquilo entre os maus, porque nunca estamos seguros da nossa vida; mas será que a vida entre os homens morais é mais fácil? Também aí a nossa vida não está segura, a diferença é que somos enforcados ‘por via legal’; e o que está ainda menos seguro é a honra, e a cocarda nacional desaparece num abrir e fechar de olhos. O punho brutal da moralidade trata de forma implacável a nobre essência do egoísmo» (STIRNER, 2004, p. 50).
 
«Será a esfera dos sentidos a totalidade da minha singularidade própria? Estarei eu no pleno controle das minhas faculdades quando me entrego aos sentidos? Obedeço a mim próprio, à minha determinação própria quando os sigo? Eu sou eu próprio apenas quando não estou sob o poder dos sentidos, nem de outros instâncias (Deus, homens, autoridades, lei, Estado, Igreja, etc.), mas sob o meu próprio: o meu egoísmo persegue aquilo que me serve a mim, a este indivíduo que é senhor de si (Selbsteigener) e que a si pertence (Selbstangehöriger)» (STIRNER, 2004, p. 137).

«Egoísmo e humanidade (humanitarismo) deveriam significar a mesma coisa, mas, segundo Feuerbach, o homem isolado (o ‘individuo’) ‘apenas pode elevar-se acima das barreiras da sua individualidade, mas não acima das leis, das determinações positivas  da essência de sua espécie’. Mas a espécie não é nada, e quando o indivíduo se eleva acima das barreiras da sua individualidade, fá-lo precisamente  enquanto ele próprio, como indivíduo, e só na medida em que se eleva,  em que não continua a ser aquilo que é;  de outro modo estaria acabado, morto. O homem é apenas um ideal, a espécie um produto do pensamento. Ser um homem não significa preencher o ideal do homem, mas manifestar-se a si próprio, como indivíduo» (STIRNER, 2004, p. 146).
«Também amo os homens, e não apenas alguns, mas cada um. Mas amo-os com a consciência do egoísmo; amo-os porque o amor me faz feliz, amo porque amar é a minha condição natural, porque me agrada. Mas não conheço um’mandamento do amor’. Tenho sim-patia para com todos os seres sensíveis, e a sua dor dói-me, o seu alívio alivia-me a mim também; posso matá-los, mas não martirizá-los» (STIRNER, 2004, p. 229).
«O adestramento sempre esteve na ordem do dia, o “formar” os homens para  serem seres morais, racionais, devotos, humanos, etc. Esses esforços fracassam devido à indomável singularidade do eu, à natureza própria de cada um, ao egoísmo» (STIRNER, 2004, p. 260).
 
ROUSSEAU. Jean-Jacques. Emílio. Vol II. Portugal: Editor Francisco Lyon de Castro. Publicações Europa-América Ltda. 1990. 327p. Tradução de Pilar Delvaulx.
«A origem das nossas paixões, a origem e o princípio de todas as outras, a única que nasce com o homem e que o acompanha durante toda a sua vida, é o amor por si mesmo: paixão primitiva, inata, anterior a qualquer outra e de que – num determinado sentido – as outras apenas constituem modificações. Neste contexto podemos dizer que todas elas são naturais. O amor por si próprio é sempre aconselhável, sempre em conformidade com a ordem. Como cada um está especialmente encarregado da sua própria conservação; o princípio é o mais importante dos seus cuidados é, e deve ser, velar incessantemente por ela: e como o poderia fazer, se por ela ele não experimentasse o maior interesse? O primeiro sentimento de uma criança é o amor por si própria» (ROUSSEAU, 1990, p. 9. Volume IV).

sexta-feira, 31 de agosto de 2012


KAUTILYA – O “Maquiavel da Índia”

Tradução do francês de Sérgio Bath



A presente tradução é uma paráfrase de trechos selecionados do Arthashastra de Kautilya, o "Maquiavel da Índia", em linguagem vazada de forma a conquistar o interesse e o entendimento do leitor brasileiro. Uma linha de corte, pontilhada, marca o início e o fim de cada excerto. O tradutor baseou-se na 5.ª edição da versão inglesa por excelência, de R. Shamasastry, publicada em Mysore, em 1956 (Editora Sri Raghuveer), com uma introdução de J. F. Fleet.

Esse texto, Arthashastra, teria sido escrito entre 321 e 300 antes de Cristo. Seu autor, Kautilya, estadista indiano, primeiro-ministro do Rei Chandragupta.



ARTHASHASTRA


CAPÍTULO XV - As sessões do Conselho de Estado - (p. 96-98)

Uma vez que tenha firmado sua posição na afeição dos grupos locais e estrangeiros, tanto no seu próprio território como no estado inimigo, o soberano irá se ocupar da administração pública.

Todas as medidas administrativas serão precedidas pelas deliberações de um conselho bem formado. A agenda dessas reuniões será confidencial, e as discussões conduzidas em tal segredo que nem um simples pássaro as presencie -- porque se comenta que tais segredos já foram divulgados por papagaios, outras aves, cães, etc. Por isso, nunca se deve iniciar tais deliberações sem a certeza de que não serão reveladas ao público. E aquele que for culpado de tal violação deve ser executado.

O conhecimento das decisões tomadas poderá ser percebido pela observação de mudanças na atitude e na aparência das pessoas. Deve ser mantido total segredo sobre as deliberações do conselho, vigiando-se os que delas participarem até o momento de iniciar o trabalho projetado. Esse segredo pode ser revelado pela falta de cuidado, a embriaguez, palavras pronunciadas durante o sono ou encontros amorosos e outras indiscrições dos conselheiros.

As decisões do conselho poderão ser reveladas por quem se sentir desconsiderado, ou alimentar um propósito secreto. Contra esse perigo deverão ser tomadas precauções. A revelação das decisões tomadas pelo conselho só é vantajosa para pessoas fora do círculo do soberano e seus ministros.

"Por isso", diz um mestre, "o soberano deve decidir sozinho os assuntos secretos, pois os assessores têm seus próprios assessores, e estes também; esta sucessão de assessores leva à divulgação dos segredos.

"Assim, ninguém deverá conhecer os objetivos que o soberano tem em mente, a não ser os que estiverem incumbidos de executá-los, ao iniciar esses trabalhos ou ao concluí-los."

Diz outro mestre: "A deliberação por uma pessoa isolada não pode ter êxito. A natureza das tarefas de um soberano deve ser inferida de causas visíveis e também invisíveis. Ora, a percepção do que não é visível, a interpretação definitiva do que se vê, a solução das dúvidas a respeito do que sustenta duas opiniões divergentes, a inferência da totalidade, quando só uma parte é conhecida, tudo isso só pode ser decidido mediante a discussão em conselho. Por isso o soberano deverá deliberar com pessoas de mente aberta."

"Ouvirá a opinião de todos, sem desprezar qualquer uma, pois o sábio utiliza até mesmo o conselho de uma criança, quando é sensato."

Diz outro mestre: "Isto seria mera coleta de opiniões, não uma deliberação coletiva. O soberano perguntará a opinião de cada conselheiro sobre um trabalho semelhante ao que pretende executar, especulando sobre o que fazer e como enfrentar as conseqüências. E agirá de acordo com o que disserem. Deste modo, poderá ao mesmo tempo ouvir conselhos e manter segredo."

"Não é assim", diz outro mestre, "porque quando são interrogados sobre uma meta longínqua, os conselheiros reagem com indiferença ou opinam sem muito empenho. O soberano precisará consultar pessoas capazes de ter um julgamento decisivo sobre os trabalhos que pretende executar. Só assim receberá conselhos efetivos, além de confidenciais."

Para Kautilya, porém, essa busca de conselhos é infinita, nunca termina. O soberano deve consultar três ou quatro conselheiros. Em casos difíceis, a consulta a um único conselheiro pode não resultar em qualquer conclusão definitiva. Mas um conselheiro, isoladamente, responderá sempre de forma incisiva, sem hesitações. Ao deliberar com dois conselheiros, o soberano poderá sucumbir à sua influência combinada, ou então ser prejudicado por uma divergência entre eles. Com três ou quatro conselheiros, porém, o soberano alcançará resultados satisfatórios, sem grande dificuldade. Se os conselheiros são mais de quatro, a decisão só será alcançada depois de muito trabalho; e será mais difícil manter o segredo. Assim, segundo as circunstâncias de tempo e lugar, e a natureza do trabalho em questão, o soberano poderá decidir se convém deliberar sozinho ou com um ou dois conselheiros.

São os seguintes os cinco fatores de qualquer deliberação: os instrumentos para executar o trabalho, o comando de homens e meios em escala suficiente, o local e o tempo, a prevenção dos perigos e o êxito final.

O soberano poderá indagar opinião dos conselheiros, individual ou coletivamente, e avaliar a competência de cada um deles ao medir as razões que apresentem para sustentar seu parecer.

É preciso não perder tempo, quando surge a oportunidade. E também evitar longa deliberação com aqueles cujos aliados serão prejudicados pela decisão do soberano.

KAUTILYA. Arthashastra. (p. 77-119). In: ISÓCRATES. et al. Conselhos aos governantes. Brasilia: Senado Federal, 2000, 841p. (Coleção Clássicos da política).

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Maurício TRAGTENBERG - Administração, poder e ideologia


Administração, poder e ideologia

 (Maurício Tragtenberg)

«Um jovem executivo, que passou um bom período sujeito à disciplina da empresa, constitui excelente ‘quadro’ para o Estado. Esse é o papel ‘educativo’ da empresa» (1980, p. 10).

«Uma política autêntica de ‘formação’ deve dar liberdade de expressão aos ‘formandos’, ultrapassando o nível de aquisição de conhecimento, tendo em conta a maturidade humana e social» (1980, p. 35).

 «É um tipo de ‘formação’ a que estamos acostumados desde a infância. A universidade, a Igreja, a família, constiruem os grandes modelos deste tipo de formação. Isso se constitui, nas suas formas mais elementares, como um ‘saber em conserva’; esse tipo de formação ignora a dimensão grupal» (1980, p. 37).

«Isso leva à aproximação com o modelo escolar, privilegiando as relações entre cada aluno com o mestre, erigindo a competição em prícipio pedagógico absoluto. A organização da comunicação num sentido único, a utilização da disciplina, confirmam-no» (1980, p. 39).

«É a burocracia produto da organização e sua patologia. Isso é reproduzido na educação, onde o ensino tem muito de administrativo e ‘programado’. A rotina pedagógica não auxiliou os ‘administradores’ do ensinomamagir num sentido de renovação; a rigidez dos programas administrativos e das rotinas escolares é reflexo da organização do meio e da rigidez de comportamento e atitudes — produtos dessa ‘matriz’ burocrática. Ante esse quadro, uma postura tecnocrática não é solução» (1980, p. 43).

«O sistema de ensino é descrito em termos de ‘fluxo de entrada’ (dos alunos) e em termos de ‘fluxos de saída’, ‘produtos finais e produtos não-finais’ — adequação às necessidades, emprego e desemprego. A instrução é definida como produto de consumo» (1980, p. 43).

«A finalidade de qualquer educação é modelar a sociedade:  mais do que ser ensinado, o homem deve fazer sua educação de homem e cidadão, aprender a se informar, a se comunicar com o ‘outro’, a participar, a tornar-se capaz de devir numa sociedade em pleno devir, essa é a finalidade primeira da educação. Na escola do futuro trata-se de aprender a devir» (1980, p. 44).

«É crença dominante que a classe operária não se distingue da classe média. Mesmo que muitos operários se sintam parte integrante  das classes médias e mesmo que isso se dê pela renda, sua condição é de proletário: trabalho embrutecedor, produção dividida, ou divisão de trabalho, rigor do ritmo, frustrações intelectuais, alienação do indivíduo» (1980, p. 103).

 «Onde conquistaram o aparelho de Estado, os partidos ditos ‘comunistas’, longe de abolir a organização salarial e patriarcal do capital, consolidaram-no, racionalizaram-no, reproduziram-no ao infinito, em todas as áreas» (1980, p. 104).

 «O ensino, a religião, a psiquiatria, o esporte, a pornografia e o urbanismo no processo de estatização são verdadeiras indústrias de castração, onde os efeitos completam a escravidão assalariada e as relações de produção capitalistas» (1980, p. 107).

«O poder é uma droga afrodisíaca para aqueles que o exercem, e paralisante para aqueles que o sofrem. O Estado se perpetua, pois, na sua maneira de oprimir, criou dependências do poder, emocional, sexual e psíquicas, ligando os oprimidos aos opressores» (1980, p. 111).



TRAGTENBERG, Maurício. Administração, poder e ideologia. São Paulo: Ática, 1980. 198p.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Max Stirner: Pedagogia e Liberalismo [1]


STIRNER, Max. O único e a sua propriedade. Lisboa: Portugal. Antígona, 2004, 339p.



PEDAGOGIA E LIBERALISMO [1]



A eficácia dos espíritos clericais caracteriza-se, sobretudo por aquilo a que vulgarmente se chama a "influência moral". E essa influência moral começa onde principia a humilhação, não é mesmo outra coisa senão essa humilhação, que quebra e faz vergar a coragem (Mut), reduzindo-a a humildade (Demut). Se grito a alguém que está perto de um penhasco que vai ser dinamitado, pedindo-lhe para se afastar, não estou a exercer com isso qualquer influência moral; quando digo a uma criança "vais passar fome se não comeres o que vem à mesa", também isso não corresponde a nenhuma influência moral. Mas se eu lhe disser que tem que rezar, de honrar pai e mãe, de respeitar o crucifixo, de dizer sempre a verdade, etc, porque isso faz parte da natureza do homem e é a sua vocação, ou mesmo que essa é a vontade de Deus, nesse caso trata-se de influência moral: espera-se que um indivíduo concreto se vergue ante a vocação do homem, que seja obediente e humilde, que renuncie à sua vida em favor de uma outra  que lhe é estranha  e quer valer como mandamento e lei. Ele deve então humilhar-se perante algo superior: auto-humilhação. "Aquele que se humilha será exaltado" (*). Pois é, as crianças têm de ser educadas a tempo no sentido da devoção, da religiosidade e da honradez; um indivíduo de boa educação é aquele a quem os "bons princípios" foram ensinados e inculcados, metidos na cabeça a força pela sova e doutrina. 

Se alguém encolhe os ombros diante disto, os bons erguem logo as mãos e exclamam: "Valha-me Deus! Se não educarmos as crianças nos bons princípios, elas vão cair nas garras do pecado e tornam-se uns inúteis!" Calma, profetas da desgraça! Elas serão inúteis no vosso sentido, mas acontece que o vosso sentido é que é um sentido inútil. As pestinhas, os refilões, não vão deixar-se enrolar pela vossa conversa e as vossas lamúrias, e não terão qualquer simpatia pelas idéias absurdas que vos empolgam e vos fazem delirar há tanto tempo: eles vão acabar com as leis hereditárias, ou seja, não vão querer herdar a vossa estupidez, como vós a herdastes de vossos pais; e vão eliminar de vez os pecados que herdaram, o pecado original. Quando lhes ordenardes: "Curva-te perante o Altíssimo!", eles vão responder: "Se Ele nos quer fazer vergar, que venha cá e o faça, que nós não o fazemos de livre vontade". E quando os ameaçardes com sua ira e o Seu castigo, eles vão reagir como se os ameaçásseis com o papão. E se não conseguirdes meter-lhes medo com fantasmas, isso é sinal de que chegou ao fim o domínio dos fantasmas e de que as histórias da carochinha já não encontram quem nelas tenham... .

E digam lá se não são outra vez os liberais que insistem na necessidade de uma boa educação e da reforma do sistema educativo? Naturalmente, senão com é que o seu liberalismo, a sua "liberdade adentro dos limites da lei" iria afirmar-se sem disciplina? Se é certo que eles não educam propriamente no sentido do temor a Deus, também é verdade que exigem tanto mais energicamente o temor dos homens, ou seja, o temor do homem, e despertam, pela disciplina, o "entusiasmo pela verdadeira vocação humana". (STIRNER, 2004, p. 70-71).

(*) Mateus 23, 12.

[1] Transcrição das páginas 70 e 71 da obra da referência; foi acrescido o título “Pedagogia e Liberalismo”.

STIRNER, Max. O único e a sua propriedade. Tradução de João Barrento. Posfácio de José A. Bragança de Miranda. Antígona. Lisboa. 2004. 339 pág. - Johann Caspar Schmidt. (1806/1856).

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Piotr Kroporkin - O Estado e seu papel histórico


KROPOTKIN, Piotr. O Estado e seu papel histórico. São Paulo: Imaginário, 2000. 95p. Tradução de Alfredo Guerra.



“Mas sob a influência da Igreja cristã sempre enamorada da autoridade e sempre disposta a impor o seu domínio sobre as almas,e muito especialmente sobre os braços dos trabalhadores, seus fiéis; e animada, além disso, pelo direito romano que, desde o século XII, vinha fazendo estragos consideráveis na corte dos poderosos: os senhores, os reis e os papas, e que se tinha tornardo o estudo favorito nas universidades sob a influência destes dois ensinos que se harmonizam perfeitamente, se bem que, na sua origem, tivessem sido encaniçados inimigos, os espíritos foram-se pervertendo à medida que triufavam o sacerdote e o legislador” (KROPOTKIN, 2000, p. 53).

“O santo e senha desta sublevação (hussita e anabatista), resumem-se nestes dois pontos: liberdade absoluta do indivíduo que não devia obedecer senão aos ditames da sua consciência e o comunismo. E só mais tarde, quando o Estado e a Igreja conseguiram exterminar os mais ardentes defensores deste movimento e escammoteá-lo em seu proveito, é que ele, reduzido e privado do seu caráter inicial, converteu-se na Reforma de Lutero” (KROPOTKIN, 2000, p. 57).

“E, abstraindo as suas formúlas religiosas, que constituíram um tributo pago à época, encontramos nele a mesma essência das idéias que nós, anarquistas, representamos atualmente: negação de todas as leias do Estado ou divinas a consciência de cada indivíduo é que deve ser a única lei aceitável” (KROPOTKIN, 2000, p. 57-58).

“A reforma luterana, filha do anabaptismo popular e apoiada no Estado, massacrou o povo e esmagou o movimento de que extraiu a sua origem, as suas forças. Os restos deste imenso movimento refugiaram-se nas comunidades dos ‘Irmãos Morávios’ que, por seu turno, foram destruídas um século depois pela Igreja e pelo Estado” (KROPOTKIN, 2000, p. 59).

“Em consequência do seu próprio princípio vital, o Estado não podia tolerar a federação livre. É a federação livre o que mais horroriza o legislador: o Estado dentro do Estado. E o Estado não pode reconhecer no seu seio uma união livremente consentida, por esta simples razão: é que o Estado só quer súditos. Unicamente ele e a sua irmã, a Igreja, é que se arrogam o direito de servir de laçõ, de vínculo de união entre os homens” (KROPOTKIN, 2000, p. 61). Na perspectiva do Estado é, portanto, uma contradição admitir em qualquer instância que o cidadão se una em federações e exerça alguma função estatal, dessa forma “o Estado pede aos seus súditos a submissão direta, pessoal, sem intermediários: quer a igualdade na servidão, e não pode admitir ‘o Estado dentro do Estado’” (p. 71).

“Neste caso, o Estado devia, forçosamente, aniquilar as cidades baseadas na união direta entre cidadãos. Devia abolir toda a união dentro da cidade, abolir mesmo a própria cidade, assim como toda a união direta entre as cidades. O princípio federativo devi substituí-lo pelo princípio de submissão e de disciplina. Porque é esta a substância, o princípio puro do Estado. Sem esta substância e sem este princípio, o Estado deixará de ser Estado” (KROPOTKIN, 2000, p. 61).

“O que é pior em tudo isso tudo quanto acabo de enumerar, é que a educação que todos nós recebemos na escola do Estado na chamada escola oficial vicia de tal modo os nossos cerébros que a própria noção de liberdade acaba por extraviar, por se converter em servidão. […] É que o espírito de servidão voluntária foi sempre cultivado habilmente nos cérebros juvenis; e, atualmente, ainda se segue a mesma norma, para perpetuar a submissão do indivíduo ao Estado” (KROPOTKIN, 2000, p. 83-84).

“Vemos no Estado uma instituição desenvolvida através da história das sociedades humanas para impedir a união direta entre os homens, para entravar o desenvolvimento da iniciativa local e individual, para aniquilar as liberdades que existiam, para impedir a sua nova eclosão e para subemeter as massas aos interesses, egoísmos e ambições das minorias ociosas e autoritárias” (KROPOTKIN, 2000, p. 86).
“Toda essa formidável organização para assegurar e desenvolver a exploração das massas em favor de alguns grupos de privilegiados que constitui a verdadeira essência do Estado” (KROPOTKIN, 2000, p. 89).

segunda-feira, 9 de abril de 2012

UM PARLAMENTAR NO BRASIL = ONZE MIL, QUINHENTOS E QUARENTA E CINCO REAIS POR MINUTO

A República Federativa do Brasil,  possui o PARLAMENTAR mais caro de todo o Planeta Terra, senão vejamos:

UM PARLAMENTAR NO BRASIL =
ONZE MIL, QUINHENTOS E QUARENTA E CINCO REAIS POR MINUTO!!!!!
Caro(a) leitor(a)... você leu certo.... POR MINUTO!!!!









quinta-feira, 29 de março de 2012

ROMMEN, Heinrich A. O Estado no pensamento católico: tratado de filosofia politica

O ESTADO NO PENSAMENTO CATÓLICO
 
 
 
«Homens não homogêneos, ou de fato, ou por querer, são necessariamente inimigos do Estado» (ROMMEN, 1967, p. 265).

«Ajudado pela graça, o cristão trabalha no mundo pela salvação de sua alma. Ele o faz, cumprindo na família, no Estado e no seu lugar, na sua função vocacional ou profissional, os seus deveres naturais, mas, sobrenaturalmente elevados, como ser social e político. É chamado o cristão a contribuir para a perfeição da ordem da criação» (ROMMEN, 1967, p. 18).

«A igreja católica afirma, de modo inequívoco, a sua competência para auxiliar, doutrinar e admoestar no campo da vida política. […] Em razão de sua missão eterna, a Igreja é fundamentalmente independente do mundo e de suas várias formas de organização política e social» (ROMMEN, 1967, p. 21).

«O que governa pode ser, ou não, cristão; pode, na vida privada, ser ou não, libertino. Mas, se desempenha sua função política, o cristão deve obediência, ate ao sobereno pagão» (ROMMEN, 1967, p. 25).

«O Estado não é tanto produto da vontade racional e de decisões conscientes, quanto desenvolvimento inconsciente, floração da semente da natureza social, sob a mão protetora da Providência, que prepara e sustenta o jardim da história» (ROMMEN, 1967, p. 31).

«Sem dúvida, a filosofia católica da política, como parte dessa filosofia perene, pode chamar-se conservadora. Não abandona facilmente aquilo, cujo valor uma longa experiência provou, por idéias novas, atraentes, mas não comprovadas» (ROMMEN, 1967, p. 34).

«O cidadão não pertence tanto a si mesmo como ao Estado. Sua vida específica é a vida pública; a vida privada é essencialmente inferior. O Estado, a vida pública, a regra do bem comum é a mais elevada e soberana forma de moralidade, porque  torna possível a vida intelectual do cidadão» (ROMMEN, 1967, p. 37).

«A vontade nacional, a consciência coletiva da nação, torna-se ‘Líder’;  não que o ‘Líder’ seja um representante, um agente ou órgão da nação. Ao contrário, o ‘Líder’ é a nação; sua consciência e sua vontade não representa a nação; elas são, de fato, a consciência da nação» (ROMMEN, 1967, p. 49).

«O bem terrestre comum é superior ao bem terrestre da pessoa individual, mas não ao seu bem eterno» (ROMMEN, 1967, p. 51).

«O ato de amor pode dirigir-se á minha família ou a minha pátria. Que é, pois, o que determina meus deveres, num conflito entre o amor à minha família e o amor à minha pátria? O grau de intensidade do meu amor às duas comunidades? Sem dúvida, a intensidade do amor à minha família é maior. Todavia, não há também dúvida de que nesse conflito eu deva preferir minha pátria, como se vê em qualquer soldado, em tempo de guerra. A resposta a esse problema deve ser buscada na superioridade do bem comum do Estado sobre a família e seu fim, embora, ordinariamente, coincidam ambos» (ROMMEN, 1967, p. 53-54).

«Um ser social é intencionalmente, na sua forma, disposto para um fim objetivo, além dos fins individuais. É o fim que rege e é a medida, não a vontade subjetiva» (ROMMEN, 1967, p. 54).

«A diferença entre um bando de salteadores e um exército,ou um Estado não se acha na organização técnica, nas normas da integração, nas forma de controle e subordinação. É o fim moral, é, para nos servirmos da celébre setença de Santo Agostinho, a justiça o que diferencia um Estado de um bando de salteadores» (ROMMEN, 1967, p. 64).

«É digno de nota que a idéia que muitas dessas seitas faziam de Deus era a do Deus vingativo do Antigo Testamento, castigando irritado, e não a do Pai bondoso do Evangelho» (ROMMEN, 1967, p. 69).

«[…] os dogmas do pecado original e da Redenção pertencem à essência do cristianismo» (ROMMEN, 1967, p. 72).

«Profunda verdade se encontra na tese que todos os problemas políticos são, afinal, problemas teológicos de que há um paralelismo entre a idéia de Deus e a do Estado» (ROMMEN, 1967, p. 92).

«Sem essa fé, sem essa religião transcendente, o horror vacui da anima naturaliter christiana cria seu próprio deus, o Estado-deus, para evitar a anarquia total e um intolerávena vazio da alma. Nenhuma filosofia política que despreza a verdade de que o homem é ‘religioso’ (homo religiosus), pode impedir a esta alternativa: ou anarquia ou Estado-deus, com todas as suas consequências» (ROMMEN, 1967, p. 82).

«O homem nasce à vida social pela comunidade permanente da família. É educado nessa comunidade, na qual cresce. É formado por várias comunidades e forma-as também como agente livre; sua natureza social atinge a perfeição com a cidadania no Estado e com a cidadania da humanidade, que transcende o Estado» (ROMMEN, 1967, p. 85).

«Não se pode dizer que, reconhecendo a pena de morte e a obrigação, para os cidadãos, de sacrificarem a sua vida numa guerra justa, a doutrina católica da política esteja en contradição com suas afirmações; a pessoa humana não é destruída pela morte corporal» (ROMMEN, 1967, p. 86).

«O sacrifício da vida que o soldado faze m campo de batalha, só é justificável se, esse sacrfício, é protegida a vida política de sua pátria e se o soldado, com sua morte, cumpre um dever ético objetivo, que o aperfeiçoa moralmente, podendo o soldado fazê-lo porque sua alma é imortal» (ROMMEN, 1967, p. 87).

«O mártir Justino (A.D. 155) em sua Apologia, diz ao imperador romano que quanto melhor o cristão é um homem, tanto melhor cidadão ele é» (ROMMEN, 1967, p. 93).

«Na luta entre a ânsia apaixonada de liberdade sem limites e a ordem conservadora, a teoria política cristã está do lado da ordem. Na luta entre o anseio do homem pela liberdade e o desumanizante poder absoluto, ela combate pela liberdade» (ROMMEN, 1967, p. 94).

«O status politicus, a autoridade, a ordem coercitiva, o poder, jamais serão desnecessários. O Estado, com todos seus elementos esseciais nunca desaparecerá em alguma possível forma de perfeição humana. […] Assim, o Estado nunca desaparecerá; é também necessário para a perfeição da natureza humana, em qualquer grau de progresso» (ROMMEN, 1967, p. 96).

«Se os direitos do homem e os deveres da autoridade, bem como os deveres do homem e os direitos da autoridade não dimanam finalmente de um Deus transcedente, que é Intelecto perfeito, Bondade infinita, Vontade onipotente, e benigna e justa Providência, não se pode escapar à anarquia ou à tirania» (ROMMEN, 1967, p. 125).

«A lei é a ordem na qual e pela qual as faculdades, os atos externos dos indivíduos, suas associações e seus agrupamentos, naturais ou livres, reconhecidos pela lei, mas não criados por ela, são orientados para o bem comum. A ordem jurídica, o Estado, circunda pois as pessoas individuais, seus grupos  e suas formas de vida social, protegendo sua existência e promovendo-lhes o pleno e perfeito funcionamento, para o maior bem de cada um deles e de todos juntamente» (ROMMEN, 1967, p. 143).

«[…] como se a verdadeira liberdade não consistisse no fato de ter o indivíduo liberdade de culto, não só no retiro de seu quarto, mas também em público, e de ter a liberdade de organizar, como o próximo, instiruições para o mútuo socorro social e econômico, para progresso moral e espiritual» (ROMMEN, 1967, p. 144).

«O Estado é a soberana unidade existencial da ordem. Família, lar, bairros, cidades, pátria, como também instituições vocacionais, profissionais, educacionais e religiosas: nisso, e por meio disso, vive o homem para o seu destino final, transcedente» (ROMMEN, 1967, p. 145).

«Não só no sentido biológico, é a família a célula do Estado. Ela é e isto é mais o viveiro de todas essas virtudes sociais de que vive o Estado: obediência à autoridade paterna, autoridade mitigada pelo amor esquecido de si; solidariedade entre os membros, aúxilio mútuo, acima de utilitarismo mesquinho, e o espírito da honra de todo o conjunto, levando os membros a permanecerem unidos. Há uma razão direta entre saúde da família, saúde mental e moral primeiramente, e a saúde e o bem-estar do Estado. Um enfraquecimento da família, produzindo só indivíduos que busquem apenas as suas vantagens pessoais, resultará em prejuízo do corpo político» (ROMMEN, 1967, p. 147).

«Sem dúvida, para que a autoridade seja moralmente justificada, ao exigir obediência de um homem a outro, deve ter em Deus a sua origem suprema» (ROMMEN, 1967, p. 151).

«A justiça legal requer do indivíduo, enquanto membro, lealdade e fidelidade, e até o sacrifício da vida, se o sacrifício da vida é necessário, em dadas circunstâncias, e por motivo da função espécifica de uma pessoa no todo. Um soldado que abandona seu dever, para salvar a própria vida, é desprezado, ao passo que a subserviência do cidadão individual ao mando cruel de pelego de um partido é considerada como bem perdoável» (ROMMEN, 1967, p. 149).

«[…] Direito sem força coercitiva é quimera. É incapaz de estabelecer, proteger e restaurar a ordem concreta que, em relação à idéia de homem, é uma necessidade» (ROMMEN, 1967, p. 151).

«Todas as leis são de origem divina» (ROMMEN, 1967, p. 153).

«O anarquismo despreza toda sorte de lei e só reconhece o “Único e o seu próprio Eu’» (ROMMEN, 1967, p. 154).

«O fim do homem está acima do Estado. O Estado não é onipotente. A consciência cristã exige sua liberdade e resiste a César, nas coisas que não são de César. Aparece uma nova sociedade religiosa, a Igreja, com seus poderes próprios dados por Deus, acima do poder do Estado. O cristão é mais que um cidadão e o Estado não é o pedagogo onipotente, como foi para Aristoteles e Platão. A civitas maxima, sonho imaginário dos estóicos, torna-se a cidade cristã, a Igreja acima da polis, das tribos, das raças, a Igreja para todos os povos» (ROMMEN, 1967, p. 161-162).

«A dignidade da autoridade humana provém, pois, de sua obediência à lei de Deus e pode exigir obediência porque realiza e conserva a ordem divinamente instituída, tal como se mostra na lei natural» (ROMMEN, 1967, p. 163).

«A natureza de uma coisa é a idéia divina sobre ela» (ROMMEN, 1967, p. 168).

«A sujeição na justiça e pela justiça é genuína liberdade» (ROMMEN, 1967, p. 170).

«O universo é ordem, cosmos, não caos. A lei eterna, a razão divina, é que instituiu essa ordem. Desde que seres racionais, livres, podem intelectualmente apreender essa lei eterna e, por ela, a vontade do divino Legislador, essa ordem vem a ser para eles a lei natural» (ROMMEN, 1967, p. 178).

«Na lei natural é abolida qualquer possibilidade de conflito entre a força e aautoridade, a vontade e a razão, a verdade e a conveniência, porque a lei natural procede de Deus, que é ao mesmo tempo Intelecto perfeito e Vontade oinipotente» (ROMMEN, 1967, p. 179).

«Podemos reclamar um justo salário vital, mas não objetaríamos, nem mesmo os comunistas, a que um juiz do Supremo Tribunal recebesse salário maior que um operário, em atenção à função social, mais importante, do juiz» (ROMMEN, 1967, p. 182).

«É a natureza divinamente instituída das formas de existência social, como a meta ideal da atividade humana, que faz justas as ordens e as regras, a autoridade e a obediência» (ROMMEN, 1967, p. 182).

«A pessoa humana só vive mediante a vida com outras pessoas e com Deus, com a Trindade das Pessoas divinas» (ROMMEN, 1967, p. 185).

«Os pais têm um direito natural quanto à educação dos filhos» (ROMMEN, 1967, p. 185).

«Os cidadãos devem respeito e obediência razoável ao Estado. A existência política é uma terceira esfera, necessária, da vida social do homem. É, pois, a lei natural que induz o homem a viver em Estados» (ROMMEN, 1967, p. 186).

«Lealdade fidelidade e obediência são deveres dos cidadãos e representam direitos do Estado, um suum do Estado» (ROMMEN, 1967, p. 186).

«A essência da política parece antes encontrar-se nos conceitos opostos ordem-desordem.Toda corporação política empenha-se em organizar a ordem e afastar o perigo de desordem, em defender, contra os perturbadores, a ordem estabelecida» (ROMMEN, 1967, p. 191).

«O homem pode viver sem filiação num sindicato operario, ou filiação num partido, ou numa nacionalidade, mas não pode viver sem o Estado» (ROMMEN, 1967, p. 192).

«Política significa realizer a ordem. Ora, há duas espécies de ordem: um efetuada, com liberdade, pela obediência livre a uma autoridade livremente afirmada, na base do direito natural, a outra, efetuada por meio de poder violento e escravização dos súditos. Só a primeira é humana» (ROMMEN, 1967, p. 192).

«A lei natural e, portanto, base moral de toda autiradade política. Força, sem direito, não passa de violência, desumana e destruidora» (ROMMEN, 1967, p. 194).

«Apesar de tudo o mais que a lei possa ser, é propriedade sua essencial reger independentemente da vontade das pessoas que lhe estão sujeitas, enquanto indivíduos» (ROMMEN, 1967, p. 194).

«Todo direito deve provir da moral. Não existe lei amoral, lei absolutamente destituída de moralidade. Semelhante ‘lei’ não seria lei, não seria regra para a razão, para um ser livre e racional. A lei natural é a sutura que prende toda lei positiva à moral. Tanto o direito municipal como o direito  internacional regem a vida social do homem e ambos recebem sua autoridade da lei natural, revelada em sua divina instituição, na natureza do homem e na ordem do universo. Fundamentum totius juris Deus est» (ROMMEN, 1967, p. 197).

«A lei natural dá ampla margem à discrição; daí, ser alegislação a mais essencial função política. O Estado, com seu soberano sistema de leis positivas, nesta nação e para esta era e cultura, é necessário por direito natural» (ROMMEN, 1967, p. 200).

«É preciso haver coerção direta contra os que desprezam os princípios e as ordenações da lei natural e do ordo rerum humanarum (ROMMEN, 1967, p. 201).

«O otimismo sem fundamento da filosofia da lei natural de Rousseau, nunca pode ser recebido pela filosofia perene. Essa não esquece as possibilidades demoníacas da natureza humana, os poderes tenebrosos que a ameaçam sempre com a destruição e anarquia» (ROMMEN, 1967, p. 201).

«O Estado tem, como símbolo do seu poder, a espada e a balança; tem o jus vitae ac necis, o jus belli et pacis: direito sobre a vida e a morte, sobre a paz e a guerra.» (ROMMEN, 1967, p. 213).

«O problema é o da origem ideal, moral, do Estado, munido de balança e espada, com majestade e poder, reclamando dos cidadãos fidelidade quase incondicional e o sacrifício da vida na emergência de guerra, para a continuação da vida do Estado» (ROMMEN, 1967, p. 214).

«Originando-se na natureza humana, divinamente estabelecida, é o Estado elemento essencial da ordem do Criador. Viver politicamente pertence à ordem do Criador. Obedecer à legítima autoridade política é da vontade de Deus» (ROMMEN, 1967, p. 214).

«O Estado não é consequência do pecado e alguma espécie de Estado teria sido formada pelo homem, ainda que esse houvesse ficado no estado de natureza pura. Finalmente: para os cristãos, redimidos, o Estado é, também, necessário. O Estado jamais desaparecerá, por ser forma permanente e necessária da vida social» (ROMMEN, 1967, p. 214).

«A natureza humana, tomada em seu conteúdo pleno, é pois a causa do Estado. Mas isso, em si, indica que a causa fundamental do Estado é Deus» (ROMMEN, 1967, p. 220).

«O Estado é, portanto, o grau mais elevado de relações naturais de subserviência, em que consistem todas as relações sociais» (ROMMEN, 1967, p. 225).

«A filosofia católica da política, pressupõe sempre a família, e não indivíduos isolados, como a pprimeira unidade social» (ROMMEN, 1967, p.227).

«Só há uma alternativa: a livre iniciativa humana, ou a asserção de que o Estado, cada Estado concreto, é resultado de um ato imediato de instituição por parte de Deus. Ora, para apoiar esta última, só se pode encontrar um fato histórico: o povo de Israel e sua aliança com Deusb» (ROMMEN, 1967, p. 229).

«Viver num Estado e, pois, preceito de lei natural e de Deus, como Criador e Legislador supremo. Assim obedecer à nova ordem, que não deriva sua autoridade do livre arbítrio e não é transferência de direitos naturais individuais, mas proteção aos mesmos, é de direito natural. A vida perfeita para a qual é dirigida intencional e teleologicamente a natureza humana, requer o Estado» (ROMMEN, 1967, p. 232).

«O Estado é da ordem moral objetiva, isto é, uma ordem por si independente da vontade do homem» (ROMMEN, 1967, p.232).

«A respeito da obrigação dos que nasceram no Estado, sem haverem tomado parte no contrato, assim como o Estado deve existir para que eles possam alcançar seu fim, a felicidade terrestre, também eles estão obrigados, por esse fim, a observar as leis positivas da justiça legal» (ROMMEN, 1967, p. 236).

«Mesmo supondo-se que a usurpação brutal e o poder temerário tenham historicamente criado mais Estados do que jamais foram criados de modo ideal, normativo, fica sempre esse problema de justiça: só por um consenso e uma aceitação do povo, e nunca por si mesmo, pode esse fato brutal tornar-se lei moral obrigatória» (ROMMEN, 1967, p. 237).

«A vida na terra é o caminho para Deus. Viver na virtude, aperfeiçoar sua natureza, trabalhar pela salvação de sua alma, constitui isso o fim do homem» (ROMMEN, 1967, p. 239).

«A família é a comunidade econômica básica, pois mesmo numa sociedade de ampla divisão do trabalho, como temos hoje, a família, e não o indivíduo, é a unidade econômica básica» (ROMMEN, 1967, p. 240).

«O Estado é sociedade perfeita» (ROMMEN, 1967, p.241).

«O fim mais elevado do homem, no cristianismo, não é ser cidadão da cidade terrestre, mas da cidade de Deus. O fim supremo do homem é a glória de Deus, a participação na vida divina, a salvação da alma» (ROMMEN, 1967, p. 242).

«O homem, isto é, sua alma, sua consciência, tende a uma vida mais elevada, para além do Estado» (ROMMEN, 1967, p. 242).

«A igreja como sociedade espiritual perfeita, acima do Estado, e correlacionada com a comunidade derradeira, a raça humana. A igreja move-se ao lado do Estado, independente, interessando-se pelos cidadãos de todos os Estados, pelos membros de todas as culturas, raças e civilizações» (ROMMEN, 1967, p. 243).

«Podemos ainda manter a caracterização do Estado como sociedade perfeita. Mas é a felicidade secular que é o fim do Estado; a perfeita suficiência da vida terrena, estabelecida na base da nova idéia cristã, do homem, é a sua meta» (ROMMEN, 1967, p. 243).

«Cessa o Estado de ser o pedagogo onipotente. Mas tem ainda uma tarefa pedagógica, a de formar bons cidadãos, o que é uma das formas necessárias da existência humana» (ROMMEN, 1967, p. 243).

«A formulação, o funcionamento e a competência da vontade soberana do Estado sempre se prende à ordem e ao bem comum» (ROMMEN, 1967, p. 245).

«As diferentes ordens e suas conexas lealdades são, por certo, partes do conjunto da ordem da criação e devem todas unirem-se em perpétuo. Benedicite de todas as criaturas, para a glória do criador. De acordo com essa concepção, foi a soberania definida como o domínio de uma autoridade que que tem o mando, em um dado território, sobre seus habitantes, acima da qual só a ordem do direito internacional prevalece. A idéia fundamental, portanto, é a de que o Estado não vive num hobesniano status naturalis de anarquia belicosa e do egoismo» (ROMMEN, 1967, p. 247).

«A soberania é restringida pela lei natural (e sem dúvida, pela lei divina)» (ROMMEN, 1967, p. 247).

«Que o Estado e a Igreja sejam ambos sociedades perfeitas, auto-suficientes, intencionando viverem juntas e em paz, mas cada uma soberana em si, só é compreensível se administram ordens diferentes: a ordem temporal e a espiritual» (ROMMEN, 1967, p. 247-248).

«Só o Estado tem soberania territorial. O fim do Estado refere-se tanto ao controle do espaço, como às pessoas» (ROMMEN, 1967, p. 248).

«As várias classes do direito natural, nacional, positivo, internacional e eclesiástico governam a vida social do homem simultaneamente e de acordo com as suas próprias esferas» (ROMMEN, 1967, p. 251).

«O direito eclesiástico abraça o homem como ser religioso. Esse direito não serve à glória de uma entidade substancial, extra-individual, a Igreja, mas serve o homem. A lei natural e a lei eclesiástica divina são supremas, como lei feita por Deus; as outras leis são relativas, como leis feitas pelo homem. Mas o fato não impede que essas leis feitas pelo homem sejam supremas e independentes, in suo ordine, subordinadas à lei feita por Deus» (ROMMEN, 1967, p. 252).

«O nacionalismo econômico de Estados naturalmente ricos, reversível em autarquia, provoca em Estados menos afortunados a exigência de espaço vital, por meio da conquista» (ROMMEN, 1967, p. 253).

«A geopolítica é, então, o estudo da afinidade que existe entre várias ciências sociais e políticas, e a situação geográfica, as relações espaciais das nações» (ROMMEN, 1967, p. 255).

«O princípio metafísico afirma que a essência de uma coisa é definida pelo fim» (ROMMEN, 1967, p. 258).

«A autoridade espécifica que dirige a vida da família é a autoridade paterna, que tem aqui uma espécie de soberania» (ROMMEN, 1967, p. 258).

«O fim do Estado é a guarda da ordem, sua adaptação às condições instáveis da vida de comunidade, ou a proteção contra instrumentos subversivos de dentro e de fora. E tudo isso feito, não no interesse da autoridade, mas exclusivamente no interesse do bem comum» (ROMMEN, 1967, p. 259).

«A sociedade perfeita requer autoridade soberana, cujas decisões são definidas e sem apelo» (ROMMEN, 1967, p. 259-260).

«Estabelece, pois, um domínio livre da intervenção do Estado, quanto à pessoa, à família, à autoridade paterna, e às associações de pessoas, fundadas pela iniciaitiva das mesmas, para qualquer fim que não seja contraditório ao bem comum, isso é, à ordme pública, e aos valores religiosos e morais básicos, que foram concretamente o fundamento da ordem pública» (ROMMEN, 1967, p.262).

«A filosofia católica da política mantém a tese de que o Estado é o explendor racional da lei, resultado da livre resolução dos cidadãos, diariamente renovada, de viverem no ordo, na organização que trabalha pelo bem comum» (ROMMEN, 1967, p. 264).

«Homens não homogêneos, ou de fato, ou por querer, são necessariamente inimigos do Estado» (ROMMEN, 1967, p. 265).

«A busca de governo legal significa isso, assim como a própria lei representa o minimun de homogeneidade política, moral. Essa busca, realmente, significa também que a lei não é entendida como simples elemento formal, aberto a todo e qualquer conteúdo, e sim que o seu conteúdo seja o minimum de homogeneidade obrigatória, que garanta a preservação e proteção do Estado» (ROMMEN, 1967, p.266).

«Santo Tomás sustenta que o Estado tem o direito de infligir a pena capital ao herege obstinado» (ROMMEN, 1967, p. 267).

«A lealdade é mais do que conformidade exterior com a legalidade. Significa isso, sem dúvida, mas inclui também ativa aquiescência moral aos valores e convicções morais que constituem a unidade moral e a homogeneidade pré-legal dessa concreta forma plítica, o Estado. É, portanto, interior e subjetiva e não pode ser suficientemente mostrada por uma conformidade superficial à lei. Necessita de expressão especial pelo emprego de símbolos políticos, pela prontidão na dedicação volumtária e pelos sacrifícios em prol do bem comum» (ROMMEN, 1967, p.267).

«Todavia, o Estado não tem direito ao monopólio da educação, porque muitos objetivos educacionais, a educação religiosa, a educação do caráter, a formação da consciência moral, são transcedentes ao Estado» (ROMMEN, 1967, p. 268).

«Se o Estado, contrariamente ao princípio da subsidiariedade, quanto à educação, estabelece monopólio de educação, a pretexto de mais completa homogeinidade dos cidadãos, as escolas se convertem em simples temdas do espírito, onde são, talvez, moldados robôs, partículas uniformes de massas, mas onde os mananciais morais, as fontes pelas quais o Estado, como organismo moral, vive realmente, estancam» (ROMMEN, 1967, p. 268).

«Todavia, o Estado como a mais elevada forma da vida virtuosa pode, para sua permanência, reclamar até mesmo o sacrifício da vida. Pode fazê-lo, porque o Estado como estrutura objetiva da vida virtuosa, para todos, é mais que o bem privado de um só indivíduo» (ROMMEN, 1967, p. 271).

«As verdadeiras comunidades de vida (a família, a Igreja, o Estado) não existem pela forma legal, elas vivem e são nutridas pela força do amor, pela fé, fidelidade, piedade, obediência, graça. São ameaçadas pela oposição dos vícios de egoísmo, perfídia, ambição do poder, revolta, amor próprio, infidelidade, traição da confiança mútua» (ROMMEN, 1967, p. 273).

«As vistudes são protegidas pela lei e dirigidas para o fim justo, o bem comum. Os vícios são reprimidos e tornam-se inofensivos à ordem; destruir sua nocividade é obra da educação, da religião, obra incessante e indispensável» (ROMMEN, 1967, p. 273).

«O homem não é bom em si. As forças, mesmo o amor, a fidelidade, a obediência, podem tanto destruir como construir» (ROMMEN, 1967, p. 273). «O homem é intelectual e moralmente imperfeito» (p. 279).

«O fim da política é, portanto, o Estado, o ordo rerum humanarum, a forma na qual o povo, condicionado por sua herança biológica e pela pátria, por suas sagas e pela tradição espiritual, a si mesmo se reconhece e glorifica, exprime sua vida íntima, em símbolos e na forma de sua determianda existência política em mais elevada e mais perfeita forma de existência comunitárias» (ROMMEN, 1967, p. 274).

«A liberdade, portanto, só é possível em razão da correspondente responsabilidade ética e da obediência» (ROMMEN, 1967, p. 276).

«A síntese é: poder controlado pela lei, pela lei natural e divina, determianada na lei positiva, a ordem jurídica posta em vigor pelo poder, contra o transgressor da lei. Estado e poder estão indissoluvelmente ligados. O poder, aplicação da força como fator a servir o fim do Estado, é um de seus elemntos essenciais. Em consequência do pecado original, a inteligência do homem ficou obscuricida e a vontade enfrequecida. A razão individual, portanto, não pode sempre e em todas as circunstâncias, alcançar perfeitamente a verdade, a essência íntima da lei» (ROMMEN, 1967, p. 278).

«Trasymachus, que foi o primeiro a enunciar a cínica frase: ‘A força faz o direito’» (ROMMEN, 1967, p. 277).

«Diz São Paulo, o Estado leva a espada; não pela glória ou por sobre-humano orgulho e ambição, mas por causa da ordem do bem comum» (ROMMEN, 1967, p. 280).

«O Estado é majestade, dignidade, sublimidade. O que é simbolizado, o que invisível ao olho corpóreo, mas visível ao olha da inteligência e cara ao coração e ao espírito do cidadão, é isso o Estado, ainda que os céticos e os cínicos que, procurem desfazê-los com suas argumentações. Podemos acrescentar que, por conseguinte, o Estado e a Religião estão mais intimamente ligados do que julga o moderno laicismo. Não é um simples costume, porém símbolo profundo da setença bíblica, ‘Por mim governam os reis’, o fato de nossas assembléias legislativas se abrirem com a oração. O poder é assim penetrado de um sentimento de responsabilidade perante Deus e perante o povo» (ROMMEN, 1967, p. 282).

«Não esqueçamos o que vale a pena, em nossa civilização, tem suas raízes nas idéias diretrizes do cristianismo: Deus, o soberano Criador e Legislador, a dignidade da pessoa humana e a salvação da alma, para o mundo do além, por meio de uma vida virtuosa neste mundo» (ROMMEN, 1967, p. 285-286).

«Em solidariedade de existência, objetivos e ações vivem os homens nesta comunidade [o Estado], para realizarem sua tarefa mais elevada, a salvação de suas almas e a glória de Deus. […] O homem tem o direito natural de autonomia, em atividades e organizações concretas, para realizar os fins objetivos do ordo» (ROMMEN, 1967, p.289).

Considerando o caráter de serviço do Estado «O sacrifício da propriedade individual do cidadão, de seus direitos e até de sua vida, em defesa do Estado, é justificável, se admitimos que o fim do Estado, o bem comum, é superior, quantitativa e qualificativamente, à vida e propriedade do cidadão individual, como tal» (ROMMEN, 1967, p. 293).

«Até mesmo uma guerra justa não pode ser continuada se significasse a destruição de, digamos, 70% da população masculina. Para que então o Estado, a concreta unitas ordinis politici, se não há mais cidadãos?» (ROMMEN, 1967, p. 294).

«Visto que o fim supremo e a mais alta perfeição do homem não é a cidadania na polis deste mundo, mas a cidadania na cidade de Deus, os antigos padres tiveram de reformar a palavra herdada dos clássicos para o fim do Estado felicitas e restringi-la à felicitas externa ou política» (ROMMEN, 1967, p. 295).

«O bem comum é o princípio predominante que controla qualquer outro interesse em sua ordem. É o princípio criador, a força conservadora do corpo político; é a causa final do Estado, seu íntimo fim; ele, e só ele, dá ao soberano poder político sua autoridade moral e ligitimidade. O bem comum é, portanto, a regra que dirige e a norma suprema, sem apelação, dos atos do poder soberano» (ROMMEN, 1967, p. 297).

«Todos os poderes políticos derivam de Deus e de Deus recebem sua majestade. O Estado e o bem comum não constituem toda moral; são partes da hierarquia de valores morais que culmina em Deus. Por conseguinte, a Religião, com a sua forma divinamente instituída, a Igreja, está acima do Estado, e o bem comum da comunidade religiosa é diferente do bem comum do Estado, assim como ambas as comunidades são indepentdentes e soberanas, em suas respectivas ordens» (ROMMEN, 1967, p. 297).

«Essa específica atitude moral é que se chama lealdade ou fidelidade e que logrou talvez uma de suas mais belas expressões na idéia de São Bernardo do homo fidelis, exemplo para as ordens religiosas de cavaleiros. É mais do que obediência compulsória, prestada porque a prudência aconselha a aceitar a opressão de um poder, uma vez declarado. Significa justamente o contrário dessa conformidade exterior, puramente factual, forçada. É obediência livre, fidelidade ao fim e à própria vida do corpo político. É dedicação e fidelidade à autoridade e aos que a exercem, em razão de seus préstimos ao bem comum. Não é fidelidade pessoal à pessoa que porventura alcança o poder; é fidelidade ao fim do estado como forma populi. Essa justiça legal é que obriga o cidadão a sacrificar a própria vida para a proteção e continuação do bem comum» (ROMMEN, 1967, p. 309).

«A vida humana só é possível na estrutura do Estado» (ROMMEN, 1967, p. 293).

Com relação a justiça distributiva e legal «A honra profissional reclama do médico, do policial e do militar que estejam prontos a sacrificar a saúde e a vida no cumprimento dos seus deveres. Também do juiz a honra profissional requer que faça a justiça prevalecer mesmo a custa de sua vida. […] Não exigimos do cidadão ordinário tão rigorosa ética. […] A relação dessas profissões com o bem comum é tão óbvia em todas as culturas e civilizações, que os membros dessas profissões são protegidos em sua manutenção por privilégios autenticos» (ROMMEN, 1967, p. 309).

«Aristóteles era tão inclinado a subestimar o artífice e o negociante, aqueles que cuidam dos bens econômicos, que não aprova a sua participação no governo. Foi necessário longo esforço educacional do cristianismo para fazer das ‘ocupações’, do trabalho servil para abastecimento dos bens econômicos, uma ‘vocação’ e, assim, santificar o trabalhador, o comerciante, o artífice e a sua obra» (ROMMEN, 1967, p. 310).

«Embora a natureza social do homem alcance sua perfeição com o fato de se tornar ele cidadão, o homem não se torna mera parte do Estado, porém enquanto membro conserva sua independência pessoal, inalienável, sua substância» (ROMMEN, 1967, p. 311).

«Enquanto no Estado individual a prostituição não for um escândalo público, mas ficar na esfera privada, será talvez melhor que o Estado a tolere pois a sua supressão coercitiva e punição pode não dar resultado. Então, a dignidade e o poder do Estado seriam prejudicadosb» (ROMMEN, 1967, p. 314).

«A principal função da ordem política é, pois, a guarda da liberdade pessoal, dos direitos inalienáveis, da iniciativa das pessoas individuais e de suas associações naturais e livres para favorecer aquilo que é a sua essência teleológica,a perfeição da natureza humana» (ROMMEN, 1967, p. 316).

«A educação profissional tornou-se, assim, prerrogativa e responsabilidade do Estado. De fato, com esse progresso do controle do Estado na educação, vai uma secularização progressiva, desde que o racionalismo e o iluminismo começaram a substituir a fé e a teologia, pela razão e pela filosofia, o cristianismo por uma religião da razão e a civilização universal da cristandade pelo nacionalismo. Esse processo começou com a descrença e o ceticismo das classes cultas» (ROMMEN, 1967, p. 341).

«A simples existência das escolas livres da Igreja, fez mais para proteger a liberdade da educação que toda a oratória sobre a liberdade» (ROMMEN, 1967, p. 342).

«Assim como o homem, enquanto cristão, isto é, enquanto membro da Igreja, destinada para a salvação, e enquanto cidadão da cidade do homem, o Estado, é uma só unidade total, assim também a educação não pode ser considerada exclusivamente tarefa de uma dessas sociedades fundamentais, da Igreja ou do Estado» (ROMMEN, 1967, p. 343).

«Os pais, pelo direito natural, detêm o poder de determinar a educação dos filhos. Por sua vez o Estado no interesse do bem comum tem o direito e mesmo o dever de ordenar que os pais coloquem seus filhos na escola e ajudar sempre que tal tarefa se torne muito pesada à família uma vez que o Estado tem especial interesse na educação das crianças, seus futuros cidadãos. A criança deve apreender as virtudes cívicas e conhecimentos políticos assim como exercitar sua vocação e se profissionalizar tudo com o objetivo de promover o bem comum. Por outro lado, os pais têm o dever natural e sobre-natural de precaverem-se no sentido de que a educação ministrada às crianças seja benéfica a fé, dom de Deus,formando assim cidadãos dotados da piedade cristã» (ROMMEN, 1967, p. 344).

«Entretanto, nas circunstâncias atuais e em consideração da necessidade de educação por parte do Estado e das minicipalidades e do caráter do Estado Moderno, neutro em matéria de religião, com a separação entre Estado e a Igreja, pode ser tolerada a frequência a escolas públicas neutras, como o único meio prático de receber instrução» (ROMMEN, 1967, p. 345).

«Todo poder que existe, vem de Deus. O poder político do homem sobre o homem jamais seria moral, reclamando, portanto, obediência e fidelidade até o sacrifífio da vida, se finalmente não fosse delegado pelo Criador do homem» (ROMMEN, 1967, p. 352).

«Contra essas teorias, tiveram os padres da Igeja de defender os legítimos direitos até de um poder político pagão, os deveres cristãos de constante fidelidade e cidadania cooperativa. Rejeitaram por completo a aceitação de todo anarquismo político» (ROMMEN, 1967, p. 353).

«A filosofia católica da política sustenta a ‘imortalidade’ do Estado, a intervenção do governo nas lutas sociais do mercado de trabalho e o dever de estabelecer a legislação social. […] Contra a corrente anárquica de individualismo, essa filosofia defende a verdadeira democracia, tanto como os direitos do poder supremo seja seu detentor, o rei ou o parlamento elaborando a tese da origem divina da autoridade política» (ROMMEN, 1967, p. 355).

A respeito do indivíduo, da família e do Estado «E mesmo se ‘deixarmos pai e mãe, irmão e irmã, por causa do reino dos céus’ entramos numa comunidade espiritual, que fala de si mesma como de uma família, onde somos irmãos e irmãs» (ROMMEN, 1967, p. 356).

«A doutrina cristã dá, como base de tudo isso, o fato de ser o homem criado à semelhança de Deus» (ROMMEN, 1967, p. 357).

«Há, portanto, direitos originais que possibiltam aos pais o cumprimento de seus deveres: o direito dos pais de determinar qual a educação dos seus filhos; o direito da inviolabilidade do lar familiar; os direitos da autoridade paterna» (ROMMEN, 1967, p. 357.

«O poder significa a capacidade de alguém para obter obediência a suas exigências imperativas. É o fato da obediência por parte de outros que constitui o poder» (ROMMEN, 1967, p. 360).

«A obediência a Deus, o Poder Onipotente, não é problema, absolutamente; nem mesmo o é a obediência a uma pessoa, cujo poder lhe vem imediatamente de Deus, manifestadamente revelado por Deus» (ROMMEN, 1967, p. 360)

«Santo Agostinho diz que sem a autoridade da Igreja, nem no Evangelho ele acreditaria (Contra Mani, 5)» (ROMMEN, 1967, p. 362).

«Só a autoridade de Deus e a de sua representanta divinamente instituída, a Igreja, são absolutas» (ROMMEN, 1967, p. p. 363).

«‘Nada fora do Estado, nada acima do Estado’ [Mussolini]» (ROMMEN, 1967, p. 365).

«Se considerarmos o Estado como a ordem concreta e duradoura entre indivíduos, as famílias e suas livres associações para fins econômicos, culturais e educacionais, então o homem sem o Estado seria um animal ou um semideus» (ROMMEN, 1967, p. 366).

A respeito da soberania assim se pronuncia «Para que a ordem seja duradoura, viável, e perfeita, deve haver um poder que preserve e promova ordem, adaptando-a às contínuas mudanças da vida social, declarando o que é justo e útil, e o que é unútil, pronunciando-se quanto à necessidade e à indiferença, usando de poder social em meio aos interesses antagônicos e protegendo o território em que existe a ordem, contra a perturbação de fora. Se esse poder, consequência da finalidade do Estado, que é a realização do bem comum, não existisse, como dizer que tal comunidade é perfeita ou auto-suficiente?» (ROMMEN, 1967, p. 367).

«Há muita sabedoria no célebre axioma de Disraeli de que é necessário governar ou pela tradição ou pela força; e é também evidente que quanto mais deve um governo estabelecer novas leis, tanto pior é esse governo» (ROMMEN, 1967, p. 368-369).

«O cidadão não tem recurso formal e legal contra contra esse poder supremo; se o tivesse, não seria supremo o poder. Leão XIII, repetidas vezes, declara que o Estado tem potestas maxima, supremum imperium e que o Estado é, como a Igreja, sociedade perfeita, máxima» [Herder, edição das encíclicas de Leão XIII, II, 229, 355; IV, 53]. (ROMMEN, 1967, p. 374).

«Não existe árbitro internacional, por direito natural, entre os estados livres e iguais» (ROMMEN, 1967, p. 374).

«‘É comum a todos os príncipes absololutos não reconhecerem superior nas coisas temporais’ [Bellarmino]» (ROMMEN, 1967, p. 375).

«O Estado, como unitas ordinis, não poderia ser unitas, nem ordo, se não fosse dotado de poder supremo para decidir, isto é, para produzir a unidade e a ordem, empregando a força, se necessário» (ROMMEN, 1967, p. 378).

«É a vontade ativa, ou o consentimento passivo do povo que constitui determianda forma de existência política, em razão de uma pré-política homogeneidade da nacionalidade, integração econômica, vizinhança geográfica, unidade religiosa, ou qualquer outra matéria potencial da unidade da ordem pública» (ROMMEN, 1967, p. 383).

Aristóteles diz no final do livro XI da Metafísica «‘O mundo não deseja ser mal governado. Haja um só governante’. Quer isso dizer apenas que no mesmo campo só deve haver um governante ou poder decisivo; de outro modo, seria a anarquia» (ROMMEN, 1967, p. 383).

«O conceito de soberania é justo e não perigoso, nem interna nem externamente, se se apresenta na interdependência com o princípio de subsidiariedade e da ordem hierárquica dos fins, e se sujeito à lei natural e à lei divina» (ROMMEN, 1967, p. 385).

«Não é indigno do homem livre obedecer às ordens do mais capaz» (ROMMEN, 1967, p. 386).

«Em toda democracia verdadeira o cidadão tem o direito de ser governado pelos melhores, ou pelo menos maus» (ROMMEN, 1967, p. 386).

«Da justiça distributiva surge também uma função necessária da soberania. Como os indivíduos formam na vida social um organismo de grupos funcionais, de importância diferene para o bem comum, embora iguais perante a lei, nunca são iguais nos dons pessoais, nos bens de fortuna, no poder social e econômico, merecem, para cumprirem suas funções, uma contribuição do bem comum, correspondente à importância de suas funções. Contanto que o oficial inferior, o polícia, por exemplo, receba salário suficiente para o padrão de vida descente e confortável, os oficiais mais importantes podem receber salário mais elevado sem violação da justiça. Essa proporção entre a responsabilidade social e política e a compensação, ainda que produza desigualdade social, não é injusta» (ROMMEN, 1967, p. 390).

«Toda tentativa de criar igualdade econômica, por meio de socialização universalista a incluir a destruição da instituição da propriedade privada, ou por meio de impostos sobre herança que redundam em verdadeiro confisco, que fizesse do direito de propriedade uma cápsula vazia, representaria abuso da soberania» (ROMMEN, 1967, p. 391).

«Depois que a formação dos Estados havia sido promovida pela Igreja, na Idade Média, o Estado começou a organizar a vida cultural, com a instrução pública, a fundação de universidades e a promoção das artes e das ciências em competição com a Igreja» (ROMMEN, 1967, p. 392).

«Na filosofia crista da política, o Estado é considerado como organismo moral» (ROMMEN, 1967, p. 393).

«A autoridade política, como princípio diretivo para a unidade, como o princípio corcitivo a estabelecer e garantir a ordem (ordo), é necessária. Não há liberdade natural que torne supérflua a autoridade política, embora tenha o homem, durante séculos, sonhado com essa liberdade. Assim como a natureza social do homem leva ao Estado, assim também leva à autoridade política» (ROMMEN, 1967, p. 393).

«Como é agora a natureza humana, o poder coercitivo é necessário, porque é necessária a ordem» (ROMMEN, 1967, p. 394).

«Estritamente falando, a autoridade política não necessita de batismo e os ritos medievais da coroação representam um batismo simbólico do poder temporal» (ROMMEN, 1967, p. 394).

«Conforme foi apontado, entre seres racionais a autoridade é estabelecida, se omitimos a lei divina revelada nesse exame, no fato de possuir a pessoas que tem a autoridade, mais elevada penetração intelectual, maior ciência, mais pura integridade moral ou maior prudência política» (ROMMEN, 1967, p. 398).

«Em última análise, não obedecemos cegamente a uma vontade heterônima, mas obedecemos às idéias eternas e às regras objetivas a que tanto a autoridade como os súditos estão subordinados. […] A origem de toda autoridade humana, portanto, é finalmente Deus, por quem regem todos os governantes» (ROMMEN, 1967, p. 398).

«O fim vida objetivo da vida política é a ordem de justiça e de paz, o bem comum, a vida virtuosa, manifestada na idéia de homem. Assim, a justificação até mesmo da autoridade política coercitiva, funda-se em sua necessidade para os homens alcançarem esse fim» (ROMMEN, 1967, p. 398-399).

«A autoridade política é, finalmente, de origem divina. A filosofia católica da política tirou seu programa de dois textos sagrados. O primeiro, na resposta de Cristo a Pilatos: ‘Nenhum poder terias sobre mim, se do alto não te fora dado’ (Jo 19,11). O segundo é a advertência de S. Paulo: ‘Seja cada homem submisso às autoridades superiores, porque não há autoridade, que não venha de Deus e as que existem, foram por Deus instituídas. Aquele que se revolta contra a autoridade, revolta-se contra a ordem instituída por Deus’ (Rom 13, 1ss)» (ROMMEN, 1967, p. 399).

«O Estado, como a ordem universalista da criação, que louva o Criador, num perpétuo Benedicite. O mundo, cosmos, ordem divinamente criada, reclama um cosmos também na vida humana, social» (ROMMEN, 1967, p. 399).

«Viver num mundo sem ordem, viver no caos, semelhante condiação do status viae é inteiramente desumana e, por certo, não é divina» (ROMMEN, 1967, p. 400).

«Ainda mesmo que a pessoa que tem a autoridade seja moralmente corrupta, um infiel e picador, mesmo então, através dessa humanidade sordida, brilha um reflexo da Divina Majestade, pela qual o governante rege» (ROMMEN, 1967, p. 401).

«O Estado, isto é, a regra juridídica, a unidade da ordem (unitas ordinis), e a autoridade política que não traz em vão a espada, foi sempre considerada pela filosofia católica da política, portador e protetor de uma sublime idéia moral. Daí atribuir ao Estado e à autoridade esta dignidade e majestade perempetórias que dão a autoridade o direito, em emergência extrema, de reclamar o sacrifício dos bens e até da própria vida» (ROMMEN, 1967, p. 401).

«A questão que nos ocupa aqui assemelha-se, pois, à da origem e do nascimento do Estado. Tamabém nesse caso, sustentamos que a origem do Estado é, para servir a natureza social do homem, divinamente estabelecida, e a sua perfeição na vida política, o próprio Deus» (ROMMEN, 1967, p. 404).

«A origem divina da autoridade política não fica, de modo algum, diminuida, embora intervindo por meio de causas sencundárias criadas, as livres decisões morais dos homens. Simultaneamente como o nascimento da unitas ordinis, o Estado entra a existir e torna-se válido o ordo justitiae legalis. O fato é que, nesse ponto, trata-se de um contrato» (ROMMEN, 1967, p. 407).

«Iniciando o nosso exame, não devemos pois esquecer que a idéia verdadeiramente central da filosofia católica da política é a do bem comum e da sua realização concreta. O fundamento é o fim do Estado, que é ao mesmo tempo a finalidade de todo o poder no Estado» (ROMMEN, 1967, p. 408).

«Obedecendo à legítima autoridade, não prestamos obediência servil, e sim racional, porque vivendo na ordem do bem comum, realizando a idéia de homem, afinal, não obedecemos nem a um dos nossos iguais nem à sua maioria a simples mudança de quantidade não nos obrigaria mais que antes mas ao próprio Deus» (ROMMEN, 1967, p. 415-416).

«Humanamente falando, tem-se a maxima probabilidade de que a decisão da maioria, obtida por seres racionais, após a devida deliberação, seja decisão razoável e não arbitrária» (ROMMEN, 1967, p. 416).

«Esses atos humanos não são a causa da transferência de autoridade; são apenas condição, condição naturalmente necessária, da transferência que procede imediatamente de Deus para o detentor da autoridade. Por conseguinte, quando os pais de família instituem o Estado, a autoridade não permanece, de modo nenhum, nem mesmo por um instante, com o povo, qual unidade organizada em corpo político» (ROMMEN, 1967, p. 417).

«A autoridade política, embora originando-se por certo em Deus, está no momento da formação do corpo político, nesse mesmo corpo. […] Se excluímos, portanto, um ato especial de Deus, sobrenatural, imediato, não há razão, por direito natural, para que um certo indivíduo ou grupo, no corpo político, tenha algum direito de possuir a autoridade» (ROMMEN, 1967, p. 418-419).

«Não se deve esquecer que o Estado mesmo é instituição social necessária. O homem não é livre de viver ou não no status civilis» (ROMMEN, 1967, p. 419).

«A autoridade política tem em Deus a sua origem» (ROMMEN, 1967, p. 421).

«Todos os homens nascem livres pela essência de sua natureza. As formas todas de servidão são criadas pelo homem, não por Deus» (ROMMEN, 1967, p. 422).

«Para os mestres, há uma hierarquia de valores cujo pináculo é a vontade de Deus. […] Se tivermos sempre em mente que a metafíscia é a base controlante, sempre presente, não cairemos tão facilmente» (ROMMEN, 1967, p. 423).

«Na Europa do século XVIII, calmas porém vigorosas e profundas revoluções davam-se na esfera social, econômica e intelectual. […] Havia no clero descontentes como um episcopado que era recrutado quase exclusivamente entre filhos de famílias nobres, ao passo que muitos de seus membros se consideravam como gendarmes espirituais do sistema reinante» (ROMMEN, 1967, p. 425).

«Os ateus tornaram-se anarquistas porque aboliram com a idéia de Deus a idéia de uma ordem natural. Em consequência, pode o ateu fazer com o mundo, especialmente o mundo social e moral o que bem lhe apraz, porque ele nega Deus transcedental, pessoal, somente a fim de tornar-se semelhante a Deus» (ROMMEN, 1967, p. 430).

«A teologia sentiu a necessidade de assinalar que a natureza humana não está inteiramente corrompida, que o homem, como ser racional, livre, não é, impotente ante a graça de Deus, e assim que o homem, por seu livre arbítrio, coopera com a graça, pondo-se à sua disposição, abrindo-se para a graça» (ROMMEN, 1967, p. 434).

«É a vontade coletiva dos indivíduos, motivada pela concepção da perfeição da idéia do homem e pelo anseio de sociabilidade que cria o Estado e estabelece sua constituição. O que cria o Estado não são as forças impessoais, exteriores, da história, ou o cego incitamento da natureza, nem simplesmente a guerra, a sujeição, a fortuna» (ROMMEN, 1967, p. 435).

«O pensamento jurídico e político da Escolástica Tardia é parte integrante do corpo de doutrina da filosofia perene» (ROMMEN, 1967, p. 436).

«Recentes pesquisas etnográficas mostraram que as culturas primitivas eram essencialmente democráticas e não monárquicas. O chefe não é, de modo algum, um governante de jurisdição absoluta, mas antes primus inter pares» (ROMMEN, 1967, p. 436).

«A idéia cristã de direito à resistência não significa direito à revolução permanente; significa que o povo tem direito ao status politicus conforme foi aceito para sempre. […] A idéia de que a condição e o fim objetivo da vida política necessária devem controlar as vontades subjetivas e de que essa condição nunca se acha à mercê da vontade arbitrária dos indivíduos» (ROMMEN, 1967, p. 437).

«O valor permanente de uma ordem sólida, impertubável e tranquila em sua firmeza, parece ser a idéia preferida. Haver ordem parece mais importante que a perturbadora questão de saber se o regime existente é apropriado às circunstâncias históricas e à idéia genuina do progresso social» (ROMMEN, 1967, p. 443).

«A resistência passiva torna-se uma obrigação se a lei tirânica reclama alguma coisa que seja contra o bem divino (bonum divinum). Seria caso típica uma lei para obrigar à blasfema adoração do governante como uma ser quase-divino» (ROMMEN, 1967, p. 445).

«Uma revolução é sedição se tentativa violenta de derribar não simplesmente um governo, mas um governo legal e continuadamente legítimo, o qual tem cuidado do bem comum e observa a constituição em seu serviço ao bem comum» (ROMMEN, 1967, p. 445).

«Falando de democracia, em que, conforme o santo doutor, todos participam no governo, ele diz que por meio dela é guardada a ordem e a paz do povo e que todos amam esse regime e obervam suas leis» (ROMMEN, 1967, p. 445).

«Podemos, pois, concluir que o direito de resistência, em si e in abstracto, não foi abandonado, mas apenas considerado supérfluo, de acordo com o desenvolvimento de restrições constitucionais desse perigoso poder absoluto de forma que as funções políticas do direito de resistência ativa foram abolidas pelo moderno constitucionalismo» (ROMMEN, 1967, p. 447).

«Democracia, como o termo é hoje empregado […] significa a participação ativa do cidadão da lealdade e espírito de sacrifício, no controle dos órgãos administrativos do governo. Significa a liberdade de culto e a liberdade dos pais para determinarem a educação dos filhos» (ROMMEN, 1967, p. 449).

«O cardeal Newman, em seu memorável prefácio a The Via Media assinala que ‘o cristianismo é, a um tempo, filosofia, poder político e rito religioso’ (p. XL). Os deveres da Igreja para com o mundo se distinguem em três departamentos: governo, suas devoções e suas escolas. ‘A verdade é o princípio diretivo da teologia e das investigações teológicas; a devoção e a instrução, do culto; e, do governo, a experiência. O instrumento da teologia é o raciocínio; do culto a nossa natureza emocional; do governo, o mandamento e a coerção» (ROMMEN, 1967, p. 452-453).

«Democracia significa […] ausência de estrutura hierárquica da sociedade, ainda que não dos ofícios, significa acesso livre e igual a todas as camadas, a todos os cargos e postos de autoridade, nas mesmas condições de competição. A qualidade de cidadão que em regra acresce a todos, independentemente de raça, educação, situação fincanceira, credo ou sexo, é a base exclusiva para todos os cargos políticos, para poderes econômicos e sociais» (ROMMEN, 1967, p. 453).

«A vontade moral coletiva de vive rem comunidade, com solidariedade mútua, deve ser em todos os grupos, tão forte que os seus interesses antagônicos, que o seu descontentamento com a distribuição social e econômica do poder, com aparentes injustiças sociais, sejam sempre controlados pela vontade moral, mais forte, de viver em comunidade e, assim, empregar só os meios legais de reforma social e política e abster-se de apelar para a violência civil» (ROMMEN, 1967, p. 455).

«Do ponto de vista da filosofia católica da política, todas essas instituições democráticas e esses princípios políticos são inatacáveis. Fundam-se mesmo em idéias cristãs, cujo sentido chegou à plena maturação. É aidéia da personalidade cristã, a idéia cristã da ‘liberdade de consciência como prerrogativa pessoal de cada indivíduo’, (Newman, Letter to the Duke of Norfolk, c. 5), da razão individual esse dote do Criador ao homem, criado à sua imagem e não destruído pela Queda que é o fundamento de tudo isso, ainda que possa ser obscurecida por filosofias falsa, transitórias, sem embargo» (ROMMEN, 1967, p. 455).

«Enquanto que a constituição monárquica da Igreja e a autoridade do papa, de direito divino, podia talvez ser declarada modelo para a constituição do Estado secular, por outro lado a constituição democrática e o princípio de soberania popular não podiam ser declarados modelos para a constituição da Igreja ou para os estados eclesiásticos. […] A constituição da Igreja é de direito divino, e não resultado da vontade coletiva de membros da Igreja a depender de poder constituinte dos mesmos. A autoridade do papa, dos bispos e dos sacerdotes não é derivada de uma vontade coletiva e soberana da comunidade dos fiéis, mas é direta instituição divina. A constituição hierárquica da Igreja é, pois, imutável para sempre e independente da vontade coletiva dos fiéis» (ROMMEN, 1967, p. 460).

«As massas não são senhoras de si; por conseguinte, entregar-lhes nas mãos o governo seria a dissolução da cultura e da ordem. As massas não têm dignidade e, portanto, não tem o dom da distinção; são presa fácil de demagogos desleais e goístas, que as levam à anarquia» (ROMMEN, 1967, p. 463).

Liberdade significa «não, todavia, liberdade abstrata, sem limitações e restrições. Pelo contrário, significa liberdades sob o regime jurídico, igual para todos» (ROMMEN, 1967, p. 465).

«Devemos obediência, não porque a autoridade manda, mas porque através das ordens da autoridade brilham as idéias morais, a vontade de Deus, por quem imperam os reis. Somente no fato de a autoridade e a obediência encontrarem seu último fundamento em Deus todo-poderoso, criador e fim do universo moral, são preservadas a dignidade e a natureza moral do Estado» (ROMMEN, 1967, p. 471).

«Os ‘ministros’ não são eleitos pelas comunidades, ainda que possa ter havido uma aclamação. A autoridade espiritual é transferida diretamente por Cristo aos apostólos, por ordem do ‘alto’, e a hierarquia dos ordenados consta dos competentes interprétes e portadores do espírito apostólico; são herança de Deus» (ROMMEN, 1967, p. 480).

«Essa mesma Una Sancta, emergindo do pequenino Estado nacional hebreu, quase a dissolver-se, vivendo nos Ghettos e bairros pobres das cidades da antiguidade, tanto como nos palácios de famílias senatoriais e nas casas dos filósofos sofre perseguição nas catacumbas, até que um sagaz imperador, em parte para salvar o império que desmorona, faz dela a Igreja do Estado. Desde então, é bem marcada sua vocação de Igreja universal. […] A igreja católica romana, preparada desde o começo, não para a polis, mas para a cosmopolis; não é uma comunidade cultual de uma nação ou de uma raça, e sim o povo de Deus, acima das nações e raças, embora no meio delas» (ROMMEN, 1967, p. 477-478).

«Os judeus, por exemplo, conservavam suas próprias leis. Aos judeus, que reclamavam a pena de morte, por causa de sua lei, Pôncio Pilatos entregou Cristo, em que não pode encontrar culpa» (ROMMEN, 1967, p. 479).

«O mundo, as profissões e vocações, a família e o Estado, tornam-se campo onde, pela obediência às leis de Deus, o cristão trabalha por sua salvação» (ROMMEN, 1967, p. 481).

«Só há um meio de salvação para o Estado: tornar-se verdadeiramente cristão. […] Servindo o Estado apenas a fins seculars, sucumbiria ele ás tentações de glória egoísta e descometida ambição de poder, tornando-se assim nada mais que um grande e organizado bando de salteadores (magnum latrocinum). O imperador sera o melhor defensor do reino, somente se for o primeiro servidor da Igreja» (ROMMEN, 1967, p. 482).

«O teocratismo de Santo Agostinho podia facilmente levar e de fato levou, à idéia de que a missão do Estado é inteiramente subordinada à Igreja, até mesmo de que é uma função da Igreja. Não admira que da Civitas Dei tenha vindo o ideal político da Idade Média: a cristandande, o mundus Christianus, como unidade universalista» (ROMMEN, 1967, p. 483).

«Entre a Igreja e o Estado, ou sejam quais forem os nomes aqui empregados, existe um sistema de relações que, de quando em quando, necessita de uma concordata, um acordo a regular os assuntos comuns a ambos, tendo consideração a sua mútua e independente competência na ordem espécifica de cada um» (ROMMEN, 1967, p. 484).

«A liberdade nunca esteve mais segura do que sob a direção de um rei piedoso (Cardeal Newman)» (ROMMEN, 1967, p. 464).

«Em assuntos espirituais, explica Ambrósio, um leigo que seja imperador, não tem autoridade ou competência. Nesse domínio, a autoridade, mesmo sobre os imperadores cristãos, pertence aos bispos. Ao imperador pertecem os palácios; ao sacerdote, a Igreja» (ROMMEN, 1967, p. 489).

«A competência do poder espiritual para declarar depostos os governantes seculares e desligar a seus súditos da fidelidade, depende de lei positiva e de circunstâncias históricas» (ROMMEN, 1967, p. 502).

«Sem dúvida, existe entre a Igreja e o Estado, uma esfera e uma forma de coordenação» (ROMMEN, 1967, p. 503).

«O Estado deve a sua existência, que é moralmente boa, não a uma consagração feita pela Igreja, nem à ordem sobrenatural da graça. Ele é bom, por sua natureza» (ROMMEN, 1967, p. 503).

«O Estado da lei natural, mesmo o Estado não-cristão, não é produção do diabo, ou consequência do pecado» (ROMMEN, 1967, p. 503).

«Qualquer organização constitucional histórica da autoridade política é, por conseguinte, juris hamani, e não juris divini» (ROMMEN, 1967, p. 510).

«De modo semelhante, ao passo que o fim da Igreja é sobrenatural, o fim do Estado é natural» (ROMMEN, 196, p. 510).

«Em sentido estrito, herege é alguém que, embora por batismo válido seja membro da Igreja Católica e guarde o nome de cristão, obstinadamente nega, ou põe em dúvida, alguma das verdades que a fé católica, divina, manda crer (C.J.C., cân. 1325, § 2). Para ser culpado de heresia, há de alguém sustentar obstinadamente doutirna falsa» (ROMMEN, 1967, p. 512 - nota de rodapé).

«Por causa da subordinação do fim do Estado, a felicidade secular, ao fim da Igreja, a salvação das almas, uma subordinação do poder temporal ao poder espeiritual é conquência necessária, no interesse do fim superior e só na medida em que se refere a esse fim» (ROMMEN, 1967, p. 514).

«O Book of Canons inglês (Laud, 1640) declara no canon I: ‘A nobilíssima e sagrada ordem dos reis é de direito divino, sendo mandato do próprio Deus, fundada nas leis da natureza e claramente estabelecida por textos expressos, quer do Antigo quer do Novo Testamentos’» (ROMMEN, 1967, p. 518).

«Não admira que, a despeito do conceito de Igreja, originariamente espiritual, de Lutero, a Igreja luterana com o príncipe secular como chefe supremo e, na Inglaterra, a Igreja oficial, se tornassem o tipo clássico da Igreja nacional» (ROMMEN, 1967, p. 519).

«Vemos, pois, que o conceito de tolerância pressupõe uma ou mais Igrejas privilegiadas, em união legal com o Estado e cujos membros gozam, se não legal, ao menos praticamente, de certos privilégios políticos, tais como a admissão mais fácil aos cargos públicos, auxílios aos seminários e às escolas, tirados dos fundos públicos gerais» (ROMMEN, 1967, p. 520-521).

«No galicanismo não existe religião do Estado, mas a religião é o Estado e o Estado é a religião. O resultado é a completa unidade do Estado e da igreja nacionalizada. A Declaração do Clero Francês, em 1682, sob Luís XIV, nos quatro artigos galicanos, escritos por Bossuet, o téologo da corte do absolutismo do prícipe. Dizem assim os artigos: 1). O papa e a Igreja só têm poder espiritual. O rei em todas as coisas temporais, não está sujeito a poder algum espiritual, direto ou indireto. O rei não pode ser deposto pelo papa, nem pode este desligar os cidadãos da fidelidade ou da obediência ao rei. 2) Ainda que o poder espiritual lhe pertença inteiramente, o papa não tem poder absoluto, mas limitado, pois está sempre subordinado ao concílio ecumênico e não só por ocasião de cisma papal. 3) O poder espiritual é limitado, pelas leis canônicas de toda a Igreja, geralmente recebidas, e pelos direitos, costumes e instituições da Igreja galicana. 4) Embora em matéria de fé, seja o papa a primeira autoridade, ele só é infalível se a Igreja inteira concora com as decisões dogmáticas por ele pronunciadas» (ROMMEN, 1967, p. 522-523).

«A liberdade de consciência é o primeiro princípio religioso, direito natural, como disse Olíver Cromwell (cf. Cromwell, Speeches, ed. By Carlyke, III, 68)» (ROMMEN, 1967, p. 526).

«A forma da religião cristã foi, desde o início, e por instituição divina, a de comunidade hierarquicamente organizada, com uma constituição divina e ordem interna precisa» (ROMMEN, 1967, p. 533).

«A origem da Igreja é o ato divino, direito de fundar; a Igreja é de direito divino» (ROMMEN, 1967, p. 533).

«Muitas vezes, consentiu o papa em comunicar ao governo secular o nome do candidato para o bispado, a fim de saber se o candidato não era, por motivos de natureza política geral, persona grata ao governo» (ROMMEN, 1967, p. 535). 

«A igreja considera o matrimônio contrato sobrenatural. […] O divórcio pronunciado pelo juiz secular para membros da Igreja, devidamente casados, de acordo com o direito canônico, está em flagrante contradição com a lei divina e canônica e como o caráter sacramental do matrimônio» (ROMMEN, 1967, p. 536).

«O Syllabus, de 1864, declara que um simples casamento civil não pode constituir casamento válido entre cristãos, isto é, entre membros da Igreja» (ROMMEN, 1967, p. 538).

«O Estado dá plena condição legal à segunda união de católicos divorciados, ao passo que o direito canônico considera bigamia semelhante união. […] De modo especial, a tendência moderna de facilitar o divórcio tem, juntamente, com a filosofia materialista do controle da natalidade, solapado as colunas em que repousa a prosperidade das nações, a família» (ROMMEN, 1967, p. 539).

«Assim como a consciência cristã afirma, então, que deve obedecer antes a Deus que aos homens, assim a Igreja tem de dizer que ela deve obedecer a Deus e não aos homens» (ROMMEN, 1967, p. 540).

«Se uma lei do Estado viola a religião, em caso tal, a Igreja tem o dever, imposto por Deus, de resistir» (ROMMEN, 1967, p. 541).

«O direito de liberdade religiosa significa, finalmente, a liberdade da Igreja, e não liberdade do indivíduo contra a Igreja» (ROMMEN, 1967, p. 541).

«A Igreja tem o direito e o dever de ensinar ao Estado em assuntos de política, na medida em que concernem ao fim último do homem, à salvação das almas e à glória de Deus» (ROMMEN, 1967, p. 542).

«Deve o papa, diz Leão XIII, poder confirmar autoritativamente o que é contido na Revelação divina, declarar quais as doutrinas políticas que estão de acordo com ela e quais são as que a contradizem. O papa deve, do mesmo modo, poder confirmar o que é intrinsicamente bom, ou mau, no domínio da moral, o que deve ser feito, ou omitido, para a salvação das almas [In: Alloc. IV, 17 (Encíclica Sapientiae Christianae» (ROMMEN, 1967, p. 542).

«Para Leão XIII, o Estado é uma dispensação da vontade de Deus a revelar-se na lei da natureza. […] O cristão deve obediência à autoridade política, por causa do bem comum, independentemente da denominação a que pertence o governante, ainda que seja agnóstico ou pagão» (ROMMEN, 1967, p. 544).

«Em todos os casos nos quais pareceria haver opressão das consciências, por parte da autoridade eclesiástica, veremos que não foi essa autoridade que oprimiu, e sim a autoridade secular que aconteceu estar unida a uma dignidade eclesiástica e abusou da autoridade elesiástica» (ROMMEN, 1967, p. 546).

«O Estado, ainda que excluído de qualquer influência na esfera da ordem hierárquica, pode ter interesse na fidelidade política do clero e dos eclesiásticos que se tornarão bispos» (ROMMEN, 1967, p. 547).

«Esse mútuo acordo quanto às relações entre Igreja e o Estado e os seus direitos e deveres, em assuntos de interesse vital para ambos foi desde os primeiros tempos chamado de concordata» (ROMMEN, 1967, p. 548).

«Não existe autoridade terrena sobre a Igreja, por definição, ainda mesmo que o sonho utópico de um Estado mundial se realizasse, pois a própria Igreja seria parte potencial do Estado mundial e nunca seu súdito» (ROMMEN, 1967, p. 551).

«A igreja inglesa nega qualquer autoridade doutrinal, qualquer poder espiritual, e especialmente toda jurisdição canônica do papa» (ROMMEN, 1967, p. 553).

«O princípio do indiferentismo, filosoficamente insustentável e teologicamente herético, implica que todas as Igrejas são iguais, por não ter nenhuma delas a verdade inteira, e a opinião da pessoa individual determinar o que é verdadeiro, o que é bom e o que é palavra de Deus. Nega, portanto, a divina revelação e a Igreja, como instituição criada por Cristo, para a salvação das almas» (ROMMEN, 1967, p. 555).

«O indiferentismo significa a negação da verdade objetiva na religião, da revelação de Deus e filosoficamente, a negação da capacidade da razão humana para alcançar a verdade objetiva. O indiferentismo, assim, outra coisa não é senão agnosticismo religioso e filosófico» (ROMMEN, 1967, p. 556).

«A separação não é, pois, simplesmente exigência da política prática, pelo motivo de que a sociedade e a civilização modernas são de fato não cristãs e religiosamente indiferentes, de maneira que o Estado, como forma secular dessa sociedade, não tem realmente relações com a Igreja. […] A finalidade política da separação é, assim, a destruição da religião revelada e da Igreja, como sua guarda» (ROMMEN, 1967, p. 561).

«Essa separação hostil priva a Igreja de seus direitos, os católicos de sua liberdade religiosa; e rouba a Deus a honra pública que lhe é devida. Também solapa o próprio Estado e sua autoridade. Porque nenhum Estado pode viver sem as forças benéficas da religião divina. […] Nenhum Estado pode existir, nenhuma lei e nenhum direito podem conservar seu vigor, nenhuma fidelidade civil pode sobreviver, se o governo, em nome da liberdade religiosa, persegue a Igreja» (ROMMEN, 1967, p. 562).

«É certo que, segundo a teologia, só existe uma verdadeira Igreja, a Igreja Católica, e essa Igreja, como sociedade perfeita, divinamente instituída, merece posição privilegiada, visto que a verdade tem prevalência sempre sobre o que não é a verdade» (ROMMEN, 1967, p. 563).

«Os vários campos da vida pública são aos poucos descristianizados como, por exemplo, a educação e as universidades. Muitos dos canais institucionais por onde as tradições cristãs de um povo eram trnsmitidas, de geração em geração, são assim secularizadas» (ROMMEN, 1967, p. 566).

«O marxismo, a despeito da estupidez teorética dos escritos de Karl Marx, achou aos olhos dos proletariados defesa espetacular, quando membros da Igreja, extremamente conservadores, compreendendo mal as condições sociais e econômicas, ora mudadas, puseram-se ao lado da classe capitalista contra, até mesmo, as justas exigências dos operários industriais. […] Quando, portanto, as autoridades da Igreja não apreciaram as justas exigências das classes proletárias, mas contentaram-se com uma simples condenação do socialismo proletário, a Igreja deu a impressão de ser auxiliar das classes dirigentes» (ROMMEN, 1967, p. 567).

«Uma crítica de vistas curtas não nos deve tornar cegos para o fato de que uma obra eficiente para a recristianização da sociedade moderna, em todas as suas esferas, na filosofia e na ética, na literatura e na educação, na economia e na política, nacional e internacional, exige não só a fé, mas também as boas obras» (ROMMEN, 1967, p. 570).

«O cristão é cidadão de dois mundos, da Cidade de Deus e da Cidade dos homens. É destinado à primeira, mas deve, na última, viver e trabalhar para sua salvação. Só uns poucos escolhidos podem deixar o mundo e consagrar-se inteiramente à vida contemplativa. Os outros devem viver e trabalhar no mundo, sem, no entanto, tornar-se do mundo» (ROMMEN, 1967, p. 571).

«As formas sociais servem, finalmente, os interesses espirituais e materiais da pessoa individual» (ROMMEN, 1967, p. 586).

«As ciências políticas e sociais se tornaram uma ciência obscura, muito mais do que foi algum dia a filosofia escolástica» (ROMMEN, 1967, p. 590).

«Mas, obrigar contra a vontade subjetiva é característica de qualquer norma técnica, religiosa, legal ou ética» (ROMMEN, 1967, p. 590).

«A religião é, por definição, não imanente, mas transcedente» (ROMMEN, 1967, p. 603).

«A filosofia católica da política rejeitou, pois, o emocionalismo que chama o soldado de ‘assassino’, que deprecia as virtudes éticas ligadas à guerra, tais como o patriotismo, a fortaleza e o espírito solidarista de camaradagem militar» (ROMMEN, 1967, p. 598).

«Por conseguinte, as religiões de nível mais elevador são todas apocalípticas e têm sua escatologia específica: uma condição ideal do mundo, no fim dos tempos, para o qual devem todos os adpetos trabalhar» (ROMMEN, 1967, p. 604).

«É óbvio que o objetivo da guerra é a paz, a saber, a ordem solidária de coexistência e cooperação, ordem que implica a integridade e a independência dos assosciados no sistema que realiza o bem comum da comunidade das nações» (ROMMEN, 1967, p. 609).

«A distinção entre guerra justa e injusta implica que a guerra não é intrinsicamente injusta, quer do ponto de vista da lei natural, ou do ponto de vista da ética cristã» (ROMMEN, 1967, p. 609).

«O Estado, enquanto representado pelo governo, não pode sacrificar a maioria de seu povo. Além disso, uma agres-são aparente pode ser na realidade um ato prudente e oportuno de luta defensiva. Uma naçaõ não tem de esperar até que as forças armadas de outro país hajam, de fato, invadido suas fronteiras» (ROMMEN, 1967, p. 610).

«Desde os primeiros padres bda Igreja, os grandes mestres tem recusado condenar absolutamente a guerra. Santo Ambrósio condena as guerras de pilhagens, mas não o serviço militar; louva até a fortaleza militar na guerra, como virtude cristã. Santo Agostinho, um apaixonado da paz, escreve: ‘Não creias que quem serve na guerra não pode agradar a Deus’. São Bernardo diz aos soldados que os cristãos que matam seus inimigos não pecam, nem perdem suas almas, quando matam na guerra. É doutrina permanente de ética cristã» (ROMMEN, 1967, p. 611).

«A guerra não é evento irracional, natural, como uma trovoada ou um terremoto. A guerra é, intrinsicamente, serva da justiça e da paz. É um meio de fender direitos ou de restabelecer a ordem internacional da paz. O objetivo da guerra é a paz com a justiça. Pode, por conseguinte, ser dirigida a guerra contra uma paz injusta, um injusto status quo» (ROMMEN, 1967, p. 611).

«A guerra é prerrogativa de Estados soberanos; às suas autoridades constitucionais, exclusivamente, é permitido recorrer à guerra. A guerra é proteção ou restauração da lei e de uma ordem legal entre Estados soberanos» (ROMMEN, 1967, p. 614).

«Em qualquer sistema de subordinação, a autoridade soberana tem o direito e o dever de compelir» (ROMMEN, 1967, p. 614).

De acordo com a doutrina da causa justa «só pode ser considerada causa justa de guerra, independentemente da distinção entre guerra ofensiva e defensiva, a violação da ordem internacional e uma injúria a algum de seus membros. E, devemos logo acrescentar, violação grave da ordem e dos direitos. […] A guerra é justa se protege o bem comum interno e se correlaciona com o bem comum das nações, com sua coexistência pacífica e tranquila, com sua liberdade mutuamente garantida, integridade de vida e honra» (ROMMEN, 1967, p. 616).

«A preservação da ordem internacional e sua defesa contra os violadores incumbem especialmente aos Estados ricos e poderosos, não às nações pequenas e fracas. A riqueza e seu efeito social, a força, trazem consigo, em toda sorte de comunidade humana, responsabilidade mais eminente pela preservação da ordem justa nessa comunidade» (ROMMEN, 1967, p. 618).

«Os filósofos da Escolástica Tardia consideravam causa justa de guerra a contínua e desarrazoada recusa, por parte de um Estado, de conceder liberdade de comércio e de tráfego, isto é, completa recusa em participar na ordem internacional, porque essa recusa estrita e incondicional é contra a essência mesma da humanidade, como verdadeira comunidade e repudiairia o bem comum internacional, afora o fato de que seria violação grave a caridade. O fundamento dessa asserção é a lei geral da socialidade natural, a convicção de que a sociedade humana e sua lei, a justiça natural, são antecedentes ao Estado e que os próprios Estados têm obrigação de cooperar para a realização da comunidade ideal universal das nações, como tendência natural da humanidade, que é transcedente ao Estado individual» (ROMMEN, 1967, p. 619).

«A guerra é estritamente justa só como meio de proteção e restauração da ordem e da paz; é a ultima ratio e é meio justo só se não é possível outro modo de realizar-se a paz [Sto Agostinho, De civitas Dei, XIX, 18» (ROMMEN, 1967, p. 621).

«Matar civis, pessoas que não usam armas é injustiça, se a ação é feita intencional ou negligentemente, e não por mero acidente» (ROMMEN, 1967, p. 622).

«A democracia pode ser considerada forma política excelente por ser flexível, por não ser forma extreita, rígida do status quo social, a existir simplesmente, mas oferece meios não-revolucionários de mudar a ordem social, segundo a vida, os interesses e o progresso do conjunto, tanto como das pessoas e suas associações, que formam o conjunto. Assim, os conflitos políticos internos não precisam chegar a uma agressão nacionalista externa, como meio de evitar a revolta interna. […] Assim vive a democracia na ordem jurídica, mais pelas virtudes sociais e políticas de patriotismo, honestidade, incorruptibilidade, cooperação e mútuo amor fraterno» (ROMMEN, 1967, p. 629).

«Historicamente a aliança entre a tecnologia capitalista, o nacionalismo e o imperialismo econômico criou, junto com o recrutamento militar, uma atmosfera política realmente carregada de perigos de explosão» (ROMMEN, 1967, p. 640).

«O macabro expediente de controle artificial da natalidade é inaceitável, por ser contra a lei natural» (ROMMEN, 1967, p. 642).

«O desenvolvimento do nascionalismo aumentou interferência do Estado na educação, na vida religiosa e nas tradições populares, com o intento de completa assimilação, procurando assim, em proporção crescente suprimir as minorias nacionais, ao mesmo tempo em que elas se tornavam progressivamente conscientes de si, por esse aumento de nacionalismo» (ROMMEN, 1967, p. 644).

«O prícipe absoluto ficou sendo, pois, o representante exclusivo do ‘povo’ em seu reino, ao passo que as formas medievais de representações popular, os estados, ou desapareceram ou se tornaram impotentes. Assim, o estabelecimento do Estado nacional moderno vem de cima por meio do príncipe soberano, e não de baixo, por meio do povo enquanto nação unida, consciente de si, lutando por própria decisão e poder pela forma política de vida, o Estado» (ROMMEN, 1967, p. 645).

«Nenhuma nação tem o direito de existir senão como Estado (Wypianki)» (ROMMEN, 1967, p. 646).

«O Estado ideal é o Estado nacional, a identificação de nação e Estado. A homogeneidade nacional é tida como base única, segura, da fidelidade política. Por conseguinte, os cidadãos residentes, que não pertemçam à nação, estão sujeitos à assimilação forçada ou degradados, de fato, ainda que talvez não de direito, a um estado legal inferior, em todos os campos onde o Estado tem influência. Ora, O Estado nacional será realmente o ideal, simplesmente e em qualquer caso? Diz Seipel, o eminente sábio e estadista: ‘A nação não é uma comunidade legalmente constituída, como o Estado ou a Igreja, não é uma instituição distinguível dos indivíduos, que a formam e com a qual tem o indivíduo compromissos legais’ (In: Nation und Staat, 1915, p. 2)» (ROMMEN, 1967, p. 649).

«A nação não tem autoridade formal, como tal, não tem meios de coação legais, externos. A ‘nação’, como o próprio termo indica, interessa-se pela família (geração, nasci) e pela cultura, pela língua, pelo folclore, pelas sagas, pela literatura. Nação é um ambiente cultural e educacional, que forma e determina o indivíduo, em sua realidade, como membro nascido para sua nação» (ROMMEN, 1967, p. 649).

«O Estado precisa é de justiça, numa concreta ordem jurídica, e isso pressupõe apenas a unidade moral no zelo pelo bem comum; não pressupõe, de modo algum, uniformidade econômica, religiosa ou ‘nacional’. Onde a história e as circunstâncias geográficas e as providências cooperaram para criar um Estado nacional, está bem; onde a história, a geografia, ou alguma determinação histórica, ou ainda a imigração não criou estrutura para um Estado nacional, o Estado não-nacional, com liberdade política, justiça e unidade moral, embora sem uniformidade nacional, é o melhor» (ROMMEN, 1967, p. 650).

«Uma confederação de nacionalidades, uma dederação de grupos livres, autônomos, com política externa comum, exército comum e unidade econômica, é bastante para a existência livre das diferentes nacionalidades. Nas partes do mundo (a Índia é outro problema) onde vivem misturados os grupos nacionais, onde é impossível o Estado nacional, o Estado a-nacional, no princípio de federalismo e liberdade, ou autonomia cultural, é a garantia única da paz» (ROMMEN, 1967, p. 650).

«A justiça, a justiça humana in concreto, não é por si capaz de criar sempre, e por toda parte, a ordem da paz» (ROMMEN, 1967, p. 653).

«O pecado do materialismo racial, classista ou nacional, é o de destruir a única base potencial da comunidade das nações por ter destruído a fé, a fé cristã em Deus Pai e supremo Legislador. A paz, o ordo rerum humanarum, exige a consciência de uma fraternidade geral na filiação do mesmo Pai Divino. A cidade dos homens não pode permanecer na paz, sem a cidade de Deus» (ROMMEN, 1967, p. 653-654).

«Somente aceitando os ensinamentos de Cristo como regra inviolável para seus negócios internos e externos, que os Estados podem gozar da paz e ter relações recíprocas em confiança tal que seja possível um ajuste pacícifico de suas diferenças» (ROMMEN, 1967, p. 662).

Santo Agostinho dirigindo-se à Igreja católica «‘És tu que tornas amigos os cidadãos, as nações; és tu que unes, na recordação de uma origem comum, todos os homens, não só numa única sociedade, mas única comunidade fraterna’» (ROMMEN, 1967, p. 663).

«Até mesmo a fé cristã, até mesmo o cristianismo na Idade Média, embora muito mais podedorosos do que o seu fraco substituto de hoje, a fraternidade humana mundial de origem secular, não constitui homogeneidade moral bem intensa para evitar a guerra» (ROMMEN, 1967, p. 669-670).

«A primeira condição para uma paz durável é, portanto, maior homogeneidade moral, aceitação comum dos princípios vivos da lei natural, reforçada pela consciência da fraternidade comum, proveniente da filiação comum de um mesmo Deus e Pai» (ROMMEN, 1967, p. 670).

«O pressuposto incondicional de paz internacional não é uma instituição legal, mas antes a aceitação de lei moral universal e de caridade mútua, conforme os papas têm repetido, tantas vezes» (ROMMEN, 1967, p. 677).

«O poder (a capacidade de obrigar outros a uma obediência, pelo menos exterior, ou à conformidade com as exigências de outrem, infligindo a não-conformidade mais prejuízos) não é mau em si» (ROMMEN, 1967, p. 671).

«Tal disputa a respeito de princípios de legitimidade é internamente resolvida pelas revoluções, mais ou menos sangrentas, mas sempre pela violência e, no cenário internacional, pelas guerras, a não ser que uma compreensão mútua e um generoso e verdadeiro compromisso, suavizam a rigidez doutrinária de princípios opostos e mudem o status quo» (ROMMEN, 1967, p. 679-680).

«Não se pode negar que a pessoa individual imersa em sua nação, presa por inúmeros laços espirituais e materiais à comunidade política a que pertence, é determinada mais pelo fato de ser membro de uma nação e de um Estado particular do que pelo fato de ser cidadão do mundo. Em regra, portanto, a lealdade para com a nação e para com o Estado prevalecerá.» (ROMMEN, 1967, p. 683).

ROMMEN, Heinrich A. O Estado no pensamento católico: tratado de filosofia política. São Paulo: Edições Paulinas, 1967, 699p. Tradução das Monjas Beneditinas da Abadia de Santa Maria, SP, São Paulo.