quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

O Estado: a lei da violência como instituição

O Estado: a lei da violência como instituição

A força e a vigência do Estado tomam o nome de poder, o constrangimento organizado. Como ordem jurídica, tem o caráter de uma organização totalizante: o território não passa do âmbito espacial de aplicação da ordem jurídica e sua população uma simples esfera de aplicação pessoal da ordem jurídica estatal (Guerra Civil: Estado e  Trauma, Luis Mir, 2004).
As leis são regras feitas por pessoas que governam por meio da violência organizada que, quando não acatamos, podem fazer com que aqueles que se recusam a obedecê-las sofram pancadas, a perda da liberdade e até mesmo a morte (A Escravidão de nosso tempo, TOLSTOI, 1900)
 Hodiernamente aplicam-se infinitos conceitos, definições e aforismos a respeito de democracia, cidadania, política, constituição, povo, território, estado, pátria, nação, nacionalidade, direito e civilização.
No principio a razão de ser do Estado era justamente tornar os direitos eficazes aos cidadãos. Alguém se arrisca a identificar, dentre nos outros, um cidadão??? Bem, o Ministério da Educação, através de sua linguagem culta e oficial, adverte-nos afirmando que é um "individuo em pleno gozo dos direitos civis e políticos de um Estado".
Hoje o Estado transformou-se em seu antípoda é não se apresenta senão como  uma organização jurídica de coação da conduta humana, (Lembre-se de que as ditaduras, as tiranias, como se sabe, também são... Estados).
Os recursos naturais, ditos, por Direito, nacionais, são de propriedade legal de alguns particulares, naturalmente registradas em cartórios em nome de algum clã. Este imenso continente de nome Brasil está planejado para servir a um grupo  restrito e seus asseclas. O Estado não é público. Ele não é os seus indivíduos... apesar de, de quando em vez, aqui e acolá,algum indivíduo sempre se arvora no direito de afirmar que o estado sou eu... é um presidentezinho de república aqui, um ditadorzinho ali, um tiranozinho acolá , um reizinho mais além... sempre os há... e aí o Povo.... Ah... o povo...  esse sempre ‘foi um detalhe’ para o Estado segregacionista que esteve nos últimos quinhentos anos a ocultar – através do fenômeno da aculturação – ao índio, ao africano e ao mestiço a situação  discriminatória e subumana ao qual foram submetidos. Esse apartheid não lhes permitiu serem incorporados a mãe Pátria nem mesmo como seres humanos, uma vez que lhes são negados direitos fundamentais como alimentação e moradia. (Saúde, Educação... nem pensar).     
O Estado brasileiro encontra-se alienado do Povo e está acima dos Direitos. Acima do Bem e do Mal. Por encontrar-se pairando por sobre aquele individuo que seria seu cidadão o Estado se permite criatividade perversa. Cria sua própria Lei e Autoridade. Denominamos, aqui, autoridade o direito de obrigar alguém a fazer alguma coisa. Já sobre as Leis é bom que ouçamos Tolstoi quando afirma que
Não foram feitas para atender à vontade da maioria, mas sim à vontade daqueles que detêm o poder. Portanto elas serão sempre, e em toda parte, aquelas que mais vantagens possam trazer à classe dominante e aos poderosos. Em toda a parte e sempre, as leis são impostas utilizando os únicos meios capazes de fazer com que algumas pessoas se submetam à vontade de outras, isto é, pancadas, perda da liberdade e assassinato. Se as leis existem, é necessário que haja uma força capaz de fazer com que alguns seres se submetam à vontade de outros e esta força é a violência.
Dessa forma aquele Estado idealizado da razão, do Direito e do Cidadão é agora o Estado da Violência.  Onde quer que nos voltemos, descobriremos que a nossa vida é baseada na violência ou no medo que ela nos inspira.
Desde a mais tenra infância sofremos a violência doméstica – agressões físicas, estupros – dos nossos pais ou dos mais velhos. Em casa, na escola, na igreja com seus sacerdotes ou a autoridade divina, no escritório, nas fábricas, nos campos, nas lojas; é sempre a autoridade exercida por alguém que nos mantém submissos e nos leva a obedecer às suas ordens em prol da servidão à ‘Ordem e Progresso’.
Políticos, teólogos e poetas metafísicos se esforçam para idealizá-lo como o Estado defensor de todos os homens qualquer que seja a classe a que pertençam: homem livre ou escravo; rico ou pobre; opressor ou oprimido; nobre ou plebeu.    
Há problemas nas ruas, nos bairros periféricos e guetos das metrópoles??? Solução: aumentar o número de viaturas policiais. Vigiar. Repreender. Punir. Em nossa curta história de suplício étnico nada mudou. Os grupos de extermínio de hoje (chacina no Rio de Janeiro em abril de 2005: mais de trinta mortos) têm suas matrizes nos esquadrões da morte do regime cívico-militar que foram engendrados no regime fascista do Estado Novo que por sua vez nada mais fez que tornar legítima o controle policial da repressão social da Velha República (MIR. 2004)
Essa, apenas adaptou os jagunços e capitães-do-mato utilizados na ‘política interna’ durante a caminhada para Oeste, através das Entradas e Bandeiras cujo objetivo era o seqüestro dos aborígines além de ouro e pedras preciosas. O seqüestro de seres humanos como atividade econômica não surgiu de forma espontânea. É uma prática utilizada pela ‘política externa’ (se me permitem o uso desse termo) do Estado português, espanhol, inglês, etc... que a praticava contra os Povos Sudaneses e Bantos que originariamente eram moradores do Continente Africano.
Assim,  aqueles atores sociais – jagunços e capitães-do-mato – estão hoje nos carros velozes que patrulham as ruas das metrópoles e nos helicópteros que vasculham desde os céus. Eles compõem os órgãos externos evoluídos, os tentáculos do Leviatã, que jogavam suas redes por sobre o dorso nu de homens e mulheres tanto no Novo Mundo como na Mãe África e os ‘emigravam’ para suas sesmarias.    
A propósito desses homens e dessas mulheres e suas práticas do inicio do  século XVI. Houve evolução ou involução para o modelo atual??? O Estado-Nação democrata, de Constituição-cidadã que ora vivenciamos, implantado pelo ‘primado da Lei’ instituído em 5 de outubro de 1988 não é um Estado de Violência???
Seriam as Leis agora diferentes ou permanecem de acordo com a afirmação de Tolstoi??? O leitor poderia afirmar que tiramos um pé da lama da Barbárie e o apoiamos na Civilização??? Ou é o inverso??? Até o senhor Vladimir Ilyich Lênin, prezado por muitos leitores, que aguardaria ad eternum o ‘definhamento’ do Estado reconhece-o como sendo "uma máquina destinada a manter o domínio de uma classe sobre outra". Mudamos em cinco séculos???  Mudamos no último século desde  a publicação da A Escravidão de nosso tempo (TOLSTOI, 1900)???   
Dessa maneira nossa vida é uma torrente de medos. Esse fere nosso corpo e dilacera o nosso coração. A autoridade de Deus, da Igreja, da Nação, dos capitalistas e dos governantes está baseada no terror (BERKMAN, Alexander).
Bem, alguém pode recordar-se de que o próprio Freud explicava que a humanidade jamais seria feliz. Também não é necessário que cheguemos ao outro extremo: a prática da infelicidade diuturnamente é fatal.
Concordo que avancemos dialogando através dos conflitos... mas Leis para seqüestrar Povos em outros continentes... Leis para seqüestrar e exterminar Povos por aqui... Leis para segregar... não é demais??? Já não atingimos o limite do (in) suportável??? Haja elasticidade para este Estado organizador da coação do comportamento de seus súditos, não??? Haja elasticidade para os súditos...
 







REFERÊNCIAS:
TOLSTOI, Leon. A Escravidão de nosso tempo. 1900.
LENIN. V.I. O Estado e a revolução. 1917.
BERKMAN,  Alexander. A violência do mundo das leis (em O que é comunismo anarquista, 1962)
MIR, Luis. Guerra civil: Estado e  trauma. 2004


PS – sobre a crença na categoria “livre arbítrio”
Aos teólogos em geral e poetas metafísicos - que explicam o natural e real através do sobrenatural e irreal -  que tenham a crença no livre arbítrio, não os admiro por sua crença, por estarem convictos da existência de fato cuja veracidade não necessita comprovação alguma. Permito-me divergir dessa categoria: não estou convicto de que, aproximadamente, doze a quinze milhões de pessoas que residiam na África – UTILIZANDO-SE DE SEU LIVRE ARBITRIO – embarcaram e ‘partiram’,  por assim dizer, em um cruzeiro marítimo ao final do qual desembarcaram nas lindas praias da Terra de Santa Cruz, Haiti, Delta do Mississipi  e outras a fim de plantar cana, fumo e algodão, para encher os bolsos de ingleses, portugueses, espanhóis, etc, etc, etc...
A meu ver, estou convicto, sim, de que foi seqüestro seguido de escravidão, morte, genocídio, etc... Todo individuo (lembram-se do Cidadão???) que fez aquele deslocamento marítimo não estava em momento algum em "gozo de autoridade suprema e soberana sobre si mesmo para tomar uma decisão" (não é isso o  ‘livre arbítrio’ tão cantado em prosa e verso???).
Por conseguinte, o Estado tem demonstrado através dos tempos que é a Instituição  da Lei da Violência. Tenho dito...

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