segunda-feira, 27 de junho de 2011

Edmond-Marc Lipiansky - A Pedagogia Libertária

A Pedagogia Libertária
(Edmond-Marc Lipiansky)

Seu livro A pedagogia libertária mostra-nos, no âmbito da educação, diversas teorias e experiências libertárias. Essas variam de acordo com o agir e o pensar do educador considerado. Apresentam-se de modo diferente segundo as épocas e os países: a educação libertária na Rússia czarista de Leon Tolstoi não era a mesma da França dos "burgueses conquistadores" de Pierre-Joseph Proudhon nem a mesma da Espanha clerical e monarquista de Francisco Ferrer. Todavia, é possível dessa diversidade cultural extrair certa unidade? Há uma convergência de pensamento anarquista no âmbito da educação? Essa obra propõe-se a estudar esse pensamento e tenta estabelecer postulados, axiomas e relações fundamentais no “modelo” de pedagogia anarquista, sem, no entanto, pretender considerar tal modelo fechado.

Ainda na França comprova que o pensador Pierre-Joseph Proudhon (1809–1865) deseja fundar outro modelo de escola – que não a  burguesa – para responder aos interesses das  massas. Na visão de Proudhon nenhuma revolução será fecunda se a instrução pública recriada não se tornar seu coroamento. Assim o ensino deve ser dado por completo em uma educação integral que criará condições para  que cada trabalhador possa transpor todos os  níveis da formação, tanto profissional quanto intelectual. Depreende-se que essa ascensão não pode repousar sobre um privilégio de classe ou mesmo de instrução para o conforto de uma elite em sua fascinação aristocrática. Proudhon discorda do ensino gratuito, pago pelo Estado, pois, em última análise, esse ensino, afirma ele, é pago pelo Povo. Quem mais se aproveita do ensino gratuito? A elite. O pobre é condenado aos trabalhos forçados desde o berço.

O professor Lipiansky ao historicizar o advento da pedagogia libertária constata que Charles Fourier (1772–1837) propõe abolir, na aurora do século XIX, vinte séculos de imbecilidade política que a humanidade perdeu lutando loucamente contra a Natureza e que esse educador tem como proposta devolver às crianças aos seus pendores; dar livre curso às suas paixões; deixando-as ir até os limites de sua infantilidade, desenvolvendo, por assim dizer, sua própria natureza. Nesse contexto a autoridade do professor não é fundamentada em seus estatutos, em seus diplomas; as relações com os alunos são fundadas na liberdade e no acordo mútuo. Salienta, ainda, que Fourier censura o ensino público por considerar que o mesmo submete os jovens a uma regra única: a homogeneização.

Da Rússia, o professor Lipiansky em sua obra  A Pedagogia Libertaria, mostra-nos que o anarquista Mikhail Alexandrovich Bakunin (1814–1876) tem na emancipação econômica a mãe de todas as outras. De acordo com a concepção deste “ativista de barricadas” não poderá haver sociedade sem classes enquanto uma minoria elevar-se acima das massas fazendo de seu saber um instrumento de dominação e exploração. Em sua concepção todos devem instruir-se e todos devem trabalhar. Para Bakunin a moral cristã vê no trabalho um castigo, uma maldição, uma degradação mesmo; para a moral anarquista, ao contrário, o trabalho é a condição suprema da felicidade e da dignidade do ser humano.

De acordo com o pensamento de Bakunin toda educação racional não é senão a imolação progressiva da autoridade em proveito da liberdade, onde a educação tem como objetivo final formar homens livres, cheios de respeito e de amor pela liberdade própria e alheia. De acordo com essa perspectiva, o primeiro dia da vida escolar – se a escola aceita as crianças na primeira infância, quando elas mal começam a balbuciar algumas palavras – deve ser o de maior autoridade e de uma ausência quase completa de liberdade; mas seu último dia deve ser de maior liberdade e de abolição absoluta de qualquer vestígio do princípio animal ou divino da autoridade. Portanto, a educação das crianças, tomando por ponto de partida a autoridade, deve sucessivamente resultar na mais completa liberdade.

O russo Leon Tolstoi (1828–1910), com sua escola Iasnaia-Poliana, não se apresenta como anarquista; antes fundamenta suas ações e seu pensar no cristianismo primitivo. No entanto, seu temperamento e suas atividades no campo pedagógico bem como sua postura notadamente contrária à autoridade estatal, colocam-no como mais um elo na corrente Libertária. Em pedagogia o principal fundamento de Tolstoi é o antidogmatismo. Afirma que não apenas não sabemos, mas inclusive não podemos saber em que deve constituir a instrução do povo. A pedagogia deve ser um perpétuo questionamento do saber; o único critério da pedagogia é a liberdade; o único método, a experiência. Sem punições; sem recompensas; sem anotações; sem exames. A ordem deve nascer da própria necessidade das crianças e instaurar-se espontaneamente fora de toda coação. 

Já a pedagogia de Paul Robin (1837–1912), no Orfanato de Cempuis, na França, funda sua educação sobre o respeito pela liberdade da criança. A educação integral compõe-se da educação física, da intelectual e da moral (a educação física e intelectual deve compreender a ciência e a arte – o 'saber' e o 'fazer'). Não há distinção de sexo: os meninos e as meninas têm a mesma ocupação; a criança faz suas descobertas, o adulto responde suas perguntas. É a favor do controle de natalidade, direito ao aborto e da educação sexual às crianças. 

Francisco Ferrer (1859-1909), na Espanha, tem como princípio fundamental da educação, a liberdade da criança. Sem coação, sem competição, sem castigo. Salienta que não se educa integralmente o homem disciplinando a sua inteligência, esquecendo seus sentimentos e desprezando sua vontade. Ferrer afirma que o  sistema vigente tem a finalidade apenas de adestramento para habituar a criança crer e obedecer e propõe um sistema no qual os homens sejam capazes de evoluir incessantemente, capazes de destruir, renovar constantemente os meios e renovar-se a si mesmo. Sublinha que  é preferível a espontaneidade livre de uma criança que não sabe nada à instrução de palavras e a deformação intelectual de uma criança que sofreu a educação atual. 

A Comunidade de Hamburgo, na Alemanha (1919–1930), questiona a própria visão do adulto e se pergunta: o que nos impede de admitir que a infância seja o ápice da existência e de considerar a idade madura uma descida, um decrescendo da vida?  É preciso recusar um objetivo que venha de fora, que decorra do ideal de uma época. Essa comunidade opunha-se a tudo que a geração adulta impunha a criança: pangermanismo; anti-semitismo; política de revanche; pacifismo. Não se trata de “conduzir”, “guiar” e sim facilitar o desenvolvimento próprio e espontâneo. Desenvolver o senso de cooperação, solidariedade e o sentimento de responsabilidade coletiva.

Em sua obra A Pedagogia Libertaria Edmond-Marc Lipiansky traça uma cronologia nos apresentando pensadores vigorosos. De Charles Fourier, início do século XIX a Comunidade de Hamburgo no primeiro quarto do século XX. Do revolucionário anarquista Bakunin ao cristão radical Tolstoi. Traz-nos propostas libertárias oriundas do próprio saber humano. São idéias que nos sugerem a possibilidade da população se libertar das tiranias que lhe são impostas. Liberdade necessária — e possível — a uma nova forma de organização social. 
O livro A Pedagogia libertária é recomendado a todo educador, sobretudo ao pedagogo, uma vez que — através de uma crítica sistemática ao paradigma pedagógico-educacional contemporâneo, paradigma pedagógico autoritário — o conduz a refletir sobre a ideologia que permeia a educação exógena, a fim de possa melhor se posicionar. Um posicionamento e ações para a transformação, tendo  as práticas libertárias como  locus privilegiado onde a educação retome a sua concepção original, isto é: deixar brotar do interior da cada indivíduo a sua melhor qualidade, sua melhor virtude e estendê-la ao infinito.


LIPIANSKY, Edmond-Marc.  A Pedagogia libertária. Coleção Escritos Anarquistas. São Paulo: Imaginário. Nu-Sol. 1999. 76 p.
Edmond-Marc Lipiansky é Psicólogo Social, professor da Université Paris X-NanterreFrança. Não possui outras obras traduzidas para a Língua Portuguesa.  

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Raoul Vaneigem - LA VIE S’ECOULE, LA VIE S’ENFUIT

LA VIE S’ECOULE, LA VIE S’ENFUIT

 [Raoul Vaneigem]



La vie s’écoule, la vie s’enfuit
Les jours défilent au pas de l’ennui
Parti des rouges, parti des gris
Nos révolutions sont trahies
Le travail tue, le travail paie
Le temps s’achète au supermarché
Le temps payé ne revient plus
La jeunesse meurt de temps perdu
Les yeux faits pour l’amour d’aimer
Sont le reflet d’un monde d’objets.
Sans rêve et sans réalité
Aux images nous sommes condamnés
Les fusillés, les affamés
Viennent vers nous du fond du passé
Rien n’a changé mais tout commence
Et va mûrir dans la violence
Brûlez, repaires de curés,
Nids de marchands, de policiers
Au vent qui sème la tempête
Se récoltent les jours de fête
Les fusils sur nous dirigés
Contre les chefs vont se retourner
Plus de dirigeants, plus d’État
Pour profiter de nos combats
 [Letra de: Raoul Vaneigem ; Música de: Francis Lemonnier]


http://www.youtube.com/watch?v=Tw9NjBdrkKo&feature=related

VIGOTSKI, L. S. - Psicologia pedagógica

Psicologia pedagógica - VIGOTSKI


“O trabalho na acepção humana da palavra, ou seja, a intervenção planejada e racional do homem nos processos naturais com o fim de reagir e controlar os processos vitais entre homem e natureza” (VIGOTSKI, 2001, p. 43).

“Vimos que o único educador capaz de formar novas reações no organismo é a sua própria experiência. Só aquela relação que ele adquiriu na experiência pessoal permanece efetiva para ele. É por isso que a experiência pessoal do educando se torna a base principal do trabalho pedagógico. Em termos rigorosos, do ponto de vista científico não se pode educar o outro [...] é possível apenas a própria pessoa educar-se, ou seja, modificar as suas reações inatas através da própria experiência” (VIGOTSKI, 2001, p. 63).

“A educação deve ser organizada de tal forma que não se eduque o aluno, mas o próprio aluno se eduque” (VIGOTSKI, 2001, p. 64).

“Educação só pode ser definida como ação planejada, racional, premeditada e consciente e como intervenção nos processos de crescimento natural do organismo” (VIGOTSKI, 2001, p. 77).

“A educação faz a seleção social da individualidade necessária. Através da seleção, ela faz do homem como biótipo o homem como sociótipo” (VIGOTSKI, 2001, p. 78).

“O instinto é o mais poderoso impulso e estímulo à atividade [...] como um motor, o instinto pode pôr em curso as reações mais diversas” (VIGOTSKI, 2001, p. 92-93).

“Toda a força da criação humana, o mais elevado florescimento do gênio são possíveis não no solo estiolado e exangue da esterilização dos instintos, mas na base do seu mais alto florescimento e na pujante intensificação de suas potencialidades” (VIGOTSKI, 2001, p. 93).

“A fuga para a neurose é a única saída para as tendências não resolvidas e os instintos não utilizados” (VIGOTSKI, 2001, p. 95).

“Dá-se o nome de sublimação a transformação dos tipos inferiores de energia em superiores através do deslocamento para o subconsciente. Assim, do ponto de vista psicológico existe um dilema para a educação dos instintos: ou a neurose ou a sublimação, isto é, ou o eterno conflito das tendências não satisfeitas com o nosso comportamento ou a transformação de tendências inconciliáveis em formas de atividade superiores e complexas” (VIGOTSKI, 2001, p. 96).

“A pedagogia dos instintos acaba sugerindo outro princípio: não o da superação dos instintos, mas o uso da sua máxima aplicação no processo de educação. É desse ponto de vista que cabe falar da construção de todo o sistema de educação com base nos instintos da criança de hoje” (VIGOTSKI, 2001, p. 109).

“A lei básica da psicologia consiste na transformação de um instinto em outro, na transformação de qualquer atividade de meio em fim em si mesmo [...] a regra pedagógica básica da educação dos instintos exige não a simples neutralização, mas a aplicação desses instintos, não a sua superação, mas sua transformação em modalidades mais complexas de atividade” (VIGOTSKI, 2001, p.110-111).

“Nenhuma pregação moral educa tanto quanto uma dor viva, um sentimento vivo, e neste sentido o aparelho das emoções é uma espécie de instrumento especialmente adaptado e delicado através do qual é mais fácil influenciar o comportamento” (VIGOTSKI, 2001, p.143).

“Nenhuma educação é exequível de outra forma senão através das inclinações naturais da criança; em todas as suas aspirações ela parte do fato de que toma como ponto de partida precisamente as inclinações [...] toda aprendizagem só é possível na medida em que se baseia no próprio interesse da criança” (VIGOTSKI, 2001, p.162-163).

“Dessa forma o pleno ato volitivo deve ser interpretado como um sistema de comportamento que surge com base nas atrações instintivas e emocionais do organismo e é inteiramente predeterminado por elas. O próprio surgimento desta ou daquela vontade ou desejo na consciência sempre tem como causa essa ou aquela mudança no organismo” (VIGOTSKI, 2001, p. 229).

“O pensamento não é outra coisa senão a participação de toda a nossa experiência anterior na solução de uma tarefa corrente, e a peculiaridade dessa forma de comportamento consiste inteiramente no fato de que ela introduz o elemento criador no comportamento ao criar todas as combinações possíveis de elementos em uma experiência prévia como é, em essência, o pensamento” (VIGOTSKI, 2001, p. 238).

“Organizam-se as bibliotecas infantis com a finalidade de que as crianças tirem dos livros exemplos morais ilustrativos e lições edificantes, a enfadonha moral da rotina e os sermões falsamente edificantes se tornaram uma espécie de estilo obrigatório de uma falsa literatura infantil [...] além dos limites da moral a literatura infantil costuma limitar-se a uma poesia de asneiras e futilidades como se fosse a única acessível à compreensão infantil” (VIGOTSKI, 2001, p. 324).

“Respondendo a perguntas sobre as vontades e sentimentos despertados pela leitura desse livro [A cabana de Pai Tomás] vários alunos de escolas americanas responderam que o que mais lamentavam era que o tempo da escravidão houvesse passado e naquele momento não existissem mais escravos na América. [...] a possibilidade de tal conclusão radica na própria natureza das vivências estéticas das crianças e, de antemão, nunca podemos estar certos do tipo de efeito moral que esse ou aquele livro irá exercer” (VIGOTSKI, 2001, p. 325).


VIGOTSKI, L. S. Psicologia pedagógica. São Paulo: Martins Fontes. 2001. 561p.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Marquês de Sade - O professor filósofo

 
O professor filósofo

Marquês de Sade

De todas as ciências que se inculca na cabeça de uma criança quando se trabalha em sua educação, os misterios do cristianismo, ainda que uma das mais sublimes materias dessa educação, sem dúvida não são, entretanto, aquelas que se introjetam com mais facilidade no seu jovem espírito. Persuadir, por exemplo, um jovem de quatorze ou quinze anos de que Deus pai e Deus filho são apenas um, de que o filho é consubstancial com respeito ao pai e que o pai o é com respeito ao filho, etc.. Tudo isso, por mais necessario à felicidade da vida, é, contudo, mais difícil de fazer entender do que a álgebra, e quando queremos obter êxito, somos obrigados a empregar certos procedimentos físicos, certas explicações concretas que, por mais que desproporcionais, facultam, todavia, a um jovem a compreensão do objeto misterioso.
 
Ninguém estava mais profundamente afeito a esse método do que o abade Du Parquer, preceptor do jovem conde de Nerceuil, de mais ou menos quinze anos e com o mais belo rosto que é possível ver.
 
— Senhor abade —, dizia diariamente o pequeno conde a seu professor — na verdade, a consubstanciação é algo que está além das minhas forças; é-me absolutamente impossível compreender que duas pessoas possam formar uma só: explicai-me esse misterio, rogo-vos, ou pelo menos o colocai a meu alcance.
 
O honesto abade, orgulhoso de obter êxito em sua educação, contente de poder proporcionar ao aluno tudo o que poderia fazer dele, um dia, uma pessoa de bem, imaginou um meio bastante agradável de dirimir as dificuldades que embaraçavam o conde, e esse meio, tomado à natureza, devia necessariamente surtir efeito. Mandou que buscassem em sua casa uma jovem de treze a quatorze anos, e, tendo instruído bem a mimosa, fez com que se unisse a seu jovem aluno.
 
— Pois bem —, disse-lhe o abade — agora, meu amigo, concebei o misterio da consubstanciação: compreendeis com menos dificuldade que é possível que duas pessoas constituam uma só?
 
Oh! meu Deus, sim, senhor abade — diz o encantador energúmeno — agora compreendo tudo com uma facilidade surpreendente; não me admira esse misterio constituir, segundo se diz, toda a alegria das pessoas celestiais, pois é bem agradável quando se é dois a divertir-se em fazer um só.
 
— Dias depois, o pequeno conde pediu ao professor que lhe desse outra aula, porque, conforme afirmava, algo havia ainda no misterio que ele não compreendia muito bem, e que só poderia ser explicado celebrando-o uma vez mais, assim como já o fizera. O complacente abade, a quem tal cena diverte tanto quanto a seu aluno, manda trazer de volta a jovem, e a lição recomeça, mas desta vez, o abade particularmente emocionado com a deliciosa visão que lhe apresentava o belo pequeno de Nerceuil consubstanciando-se com sua companheira, não pôde evitar colocar-se como o terceiro na explicação da parábola evangélica, e as belezas por que suas mãos haviam de deslizar para tanto acabaram inflamando-o totalmente.
 
— Parece-me que vai demasiado rápido — diz Du Parquet, agarrando os quadris do pequeno conde — muita elasticidade nos movimentos, de onde resulta que a conjunção, não sendo mais tão íntima, apresenta bem menos a imagem do mistério que se procura aqui demonstrar. Se fixássemos, sim... dessa maneira, — diz o velhaco, devolvendo a seu aluno o que este empresta à jovem.

— Ah! Oh! meu Deus, vós me fazeis mal

— diz o jovem — mas essa cerimônia parece-me inútil; o que ela me acrescenta com relação ao mistério?

— Por Deus! — diz o abade, balbuciando de prazer — não vedes caro amigo, que vos ensino tudo ao mesmo tempo? É a trindade, meu filho... é a trindade que hoje vos explico; mais cinco ou seis lições iguais a esta e sereis doutor na Sorbonne.

Donatien Alphonse François de Sade - Marquês de Sade [02/06/1740 - 02/09/1814]

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Pedagogia Divina: “a vara e a repreensão é que dão sabedoria”

(DEUS, 1986, p. 872)


BIBLIA. Língua Portuguesa. Tradução do Novo Mundo. Sociedade Torre de Vigia de Bíblia e Tratados, Rodovia SP-141, Km 143. 18280-000, Cesário Lange, SP. Brasil, 1986. 1662p.

 
Sal 111:10 - “O temor de Jeová é o princípio da sabedoria” (p. 810).
Pr 1:7 - “O temor de Jeová é o princípio do conhecimento. Sabedoria e disciplina são o que os meros tolos têm desprezado” (p. 841).
Pr 9:10 - “O temor de Jeová é o início da sabedoria, e o conhecimento do Santíssimo é o que é entendimento”  (p. 849).
Pr 29:15 - “A vara e a repreensão é que dão sabedoria; mas o rapaz deixado solto causará vergonha à sua mãe” (p. 872).
Pr 29:17 - Castiga teu filho e ele te trará descanso e dará muito prazer à tua alma” (p. 872).
1 Co 1:21 - “[...] Deus achou bom salvar os que crêem, por intermédio da tolice do que se prega” (p. 1425).
Gen 2:16 - “E Jeová deu também esta ordem ao homem: ‘De toda árvore do jardim podes comer a vontade’” (p. 9).
Gen 2:17 - 'Mas, quanto a árvore do conhecimento do que é bom e do que é mau, não deves comer dela, porque no dia em que dela comeres, positivamente morrerás'” (p. 9).
Mat 11:29 - Tomai meu jugo sobre vós  e recebei minha doutrina , porque sou manso e humilde de coração e achareis o repouso para as vossas almas.
Mat 11:30 - Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo e leve.
Ro 13:1 - “Toda alma esteja sujeita as autoridades superiores, pois não há autoridade exceto por Deus; as autoridades existentes acham-se colocadas por Deus nas suas posições relativas” (p. 1420).
Ro 13:2 - “Portanto, quem se opõe à autoridade, tem tomado posição contra o arranjo de Deus; os que têm tomado posição contra este receberão um julgamento para si mesmos” (p. 1420).
Ro 13:6 - “Pois é também por isso que pagais impostos; porque eles são servidores públicos de Deus, servindo constantemente com este mesmo objetivo”  (p. 1420).
Tit 3:1 - “Continua a lembrar-lhes que estejam sujeitos e sejam obedientes a governos e autoridades como governantes, que estejam prontos para toda boa obra” (p.1491).
1 Tim 6:1 - “Tantos quantos forem escravos debaixo dum jugo estejam considerando os seus donos dignos de plana honra, para que nunca se fale de modo ultrajante do nome de Deus e do ensino” (p. 1485).
“Pela causa do Senhor, sujeitai-vos a toda criação humana: quer um rei, como sendo superior (I Pe 2:14), “quer a governadores, como enviados por ele para infligir punição a malfeitores, mas louvar os que fazem o bem” (I Pe 2:13 -  p. 1512).
Ec 10:4 - “Se o espírito de um governante se levantar contra ti, não deixes o teu próprio lugar, pois a própria calma aquieta grandes pecados” (p. 885).
Ec 10:20 - “Não invoques o mal sobre o próprio rei nem mesmo no teu quarto de dormir, e não invoques o mal sobre os ricos nos quartos inferiores, onde te deitas; pois uma criatura voadora dos céus transmitirá o som e o que tem asas contará o assunto” (p. 885).
Jo 12:8 - “os pobres sempre os tereis convosco” (p. 1346).
Tg 1:13 - “Quando posto a prova ninguém diga: ‘Estou sendo provado por Deus.’ Pois, por coisas más, Deus não pode ser provado, nem prova ele a alguém” (p. 1507).
BIBLIA. Língua Portuguesa. Tradução do Centro Bíblico Católico, 4. ed, Editora Ave-Maria, Rua Martins Francisco, 656 – São Paulo, SP, Brasil, 1995. 1671p.
Educação dos filhos
Ec 1:25 - “O temor ao Senhor é a raiz da sabedoria” (p.863).
Ec 30:1 - “Aquele que ama seu filho, castiga-o com freqüência, para que se alegre com isso mais tarde, e não tenha de bater à porta dos vizinhos” (p. 905).
Ec 30:10 - “Não te ponhas a rir com ele [seu filho] para que não venhas a sofrer com isso, e não acabes rangendo os dentes” (p. 905).
Ec 30:12 - “Obriga-o a curvar a cabeça enquanto jovem, castiga-o com varas enquanto ainda é menino, para que não suceda endurecer-se e não queira mais acreditar em ti” (p. 905).

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Raoul Vaneigem - A arte de viver para a geração nova

A arte de viver para a geração nova
(Raoul Vaneigem)


“Nada queremos de um mundo no qual a garantia de não morrer de fome se troca contra o risco de se morrer de tédio” (VANEIGEM, 1974, p. 6).
“Aqueles que falam de revolução e de luta de classes sem se referirem explicitamente á vida quotidiana, sem compreenderem o que há de subversivo no amor e de positivo na recusa das coações, esses têm na boca um cadáver” (VANEIGEM, 1974, p. 17).
“O sentimento de humilhação nada mais é que o sentimento de ser objeto” (VANEIGEM, 1974, p. 27).
“Um gesto de liberdade, por fraco e desajeitado que seja sempre contém uma comunicação autêntica, uma mensagem pessoal adequada” (VANEIGEM, 1974, p. 36).
“Na terra de ninguém das relações neutras estende o seu território entre a aceitação hipócrita das falsas coletividades e a recusa global da sociedade. É a moral de merceeiro em frases como ‘é preciso ajudar-nos uns aos outros’, ‘em todo lado há pessoas honestas’, ‘nem tudo é tão mau, nem tudo é tão bom, o que é preciso é escolher’: é a boa educação, a arte pela arte do equívoco” (VANEIGEM, 1974, p. 37).
“Ao mesmo tempo em que punha na ordem do dia a felicidade e a liberdade, a civilização técnica inventava a ideologia da felicidade e da liberdade” (VANEIGEM, 1974, p. 44).
“Uma comunidade que se não construa na base das exigências individuais e de sua dialética forçosamente reforçará a violência opressora do poder” (VANEIGEM, 1974, p. 46).
“A igualdade na grande familia dos homens exala o incenso das mistificações religiosas. É preciso ter as narinas entupidas para sentir se bem com isso. Para mim, a única igualdade que reconheço é aquela que a minha vontade de viver conforme os meus desejos reconhecem na vontade de viver dos outros. A igualdade revolucionaria será indissoluvelmente individual e coletiva” (VANEIGEM, 1974, p. 47).
“Numa sociedade industrializada que confunde trabalho e produtividade, a necessidade de produzir foi sempre antagônica ao desejo de criar” (VANEIGEM, 1974, p. 51).
“A tripalium é um instrumento de tortura. Labor significa ‘pena’. Alguma leviandade existe em esquecer a origem das palavras ‘trabalho’ e ‘labor’. Os nobres tinham pelo menos a memoria da sua dignidade tal como da indignidade que feria os seus escravos. O desprezo aristocrático do trabalho refletia o desprezo do senhor pelas classes dominadas; o trabalho era a expiação à qual as condenava desde toda a eternidade o decreto divino que os tinha determinado inferiores, por razões impenetráveis. O trabalho inscrevia-se entre as sanções da providencia, como punição do pobre, e porque dessa forma presidia à salvação futura, essa punição podia revestir os atributos da alegria. No fundo, o trabalho importava menos que a submissão” (VANEIGEM, 1974, p. 52).
“O amor do trabalho bem feito e o gosto da promoção no trabalho são hoje a marca indelével da frouxidão e da submissão mais estúpidas” (VANEIGEM, 1974, p. 53).
“Ter colocado a técnica ao serviço de uma poesia nova não terá sido o seu menor mérito. Nunca a burguesia terá sido tão grande como em seu desaparecer” (VANEIGEM, 1974, p. 79).
“Hoje os homens já não atribuem a sua miseria à hostilidade da natureza, mas à tirania de uma forma social perfeitamente inadequada, perfeitamente anacrônica” (VANEIGEM, 1974, p. 80).
“Se a troca pura regular um dia as modalidades de existencia dos cidadãos robôs da democracia cibernética, o sacrificio deixará de existir” (VANEIGEM, 1974, p. 83).
“A busca da verdadeira natureza, da vida natural oposta brutalmente à mentira da ideologia social, representa uma das ingenuidades mais comoventes de uma boa parte do proletariado revolucionario, dos anarquistas, e de espíritos tão notáveis como o do jovem Wilhelm Reich, por exemplo” (VANEIGEM, 1974, p. 88).
“Que desvio é esse no qual, ao me procurar, acabo por perder-me? Que cortina me separa de mim sob pretexto de me proteger? E como me reencontrar nesse esmigalhamento que me compõe? Avanço para não sei que incerteza de nunca me possuir. Tudo se passa como se os meus passos me precedessem, como se pensamentos e afetos desposassem os contornos de uma paisagem mental que eles pensam criar, e que na realidade os modela. Uma força absurda — tanto mais absurda quanto se inscreve na racionalidade do mundo e parece incontestável — coage a saltar sem descanso para atingir um solo que os meus pés nunca abandonaram. E por esse salto inútil em direção a mim, é-me roubado o meu presente; as mais das vezes vivo afastado daquilo que sou, ao ritmo do tempo morto” (VANEIGEM, 1974, p. 99-100).
“Aquilo que nos separa de nós proprios e enfraquece, une por laços falsos ao poder desse modo reforçado e escolhido como protetor, como pai” (VANEIGEM, 1974, p. 100).
“O poder é a soma das mediações alienadas e alienantes. A ciencia (scientia thelogiae ancilla — ‘a ciencia é serva de teologia’) operou a reconversão da mentira divina em informação operacional, em abstração organizada, devolvendo à palavra o seu sentido etimológico – ab-thahere – tirar para fora de” (VANEIGEM, 1974, p. 101).
“É verdade que o hábito mutilou de tal modo o homem que ele pensa que, ao mutilar-se, obedece à lei natural. Talvez seja também o esquecimento de sua propria perda que o amarra melhor ao pelourinho da submissão. Seja como for, cabe bem na mentalidade de um escravo associar o poder à única forma de vida possível, à sob(re)vida. E cabe bem nos designios do senhor encorajar esse sentimento” (VANEIGEM, 1974, p. 102).
“Os regimes feudais exibem cruamente a contradição: servos, meio homens meio bestas, convivem com um punhado de privilegiados entre os quais alguns se esforçam por aceder individualmente à exuberancia e ao poderio de viver” (VANEIGEM, 1974, p.103).
“Quando os dirigentes se apoderam da teoria esta se transforma em suas mãos em ideologia, numa argumentação ad hominem contra o homem. A teoria radical emana do indivíduo, do ser enquanto sujeito; penetra nas massas por aquilo que em cada qual existe de mais criativo, pela subjetividade; pela vontade de realização. Pelo contrário, o condicionamento ideológico é a manipulação técnica do desumano, do peso das coisas. Transforma os homens em objetos que não possuem sentido além da Ordem em que se arrumam. Reúne-os para isolá-los, faz da multidão uma multiplicação de solitários” (VANEIGEM, 1974, p. 106).
“Nenhum signo poético pode ser definitivamente açambarcado pela ideologia” (VANEIGEM, 1974, p. 107).
“Não se derrubará o poder como se derruba um governo. A frente unida contra a autoridade cobre a extensão da vida quotidiana e compromete a imensa maioria dos homens. Saber viver é saber não recuar uma polegada na luta contra a renúncia. Que ninguém subestime a habilidade do poder em empanturrar os seus escravos com palavras até fazer deles os escravos das suas palavras” (VANEIGEM, 1974, p. 108).
“De que armas dispõe cada um de nós para garantir a sua liberdade? Podemos citar três: 1. A informação corrigida no sentido da poesia: decifração de notícias, tradução de termos oficiais (tornando-se ‘sociedades’, na perspectiva oposta ao poder, ‘rackert ou ‘lugar do poder hierarquizado’), eventualmente glossario ou enciclopedia (Diderot tinha perfeitamente compreendido a sua importancia; os situacionistas também”. 2. O diálogo aberto, linguagem da dialética; as conversas e qualquer forma de discussão não espetacular. 3. Aquilo a que Jacob Boehme chama a ‘linguagem sensual’ (sensualische Sprache) ‘porque ela é um espelho límpido dos nossos sentidos’. E o autor  do Caminho para Deus precisa: ‘Na linguagem sensual, todos os espíritos conversam entre si, não necessitam de linguagem alguma, pois é a linguagem da natureza’. Se nos lembrarmos daquilo a que chamei a recriação da natureza, a linguagem de que fala Boehme surge nitidamente como a linguagem da espontaneidade, do ‘fazer’, da poesia individual e coletiva: a linguagem situada no eixo do projeto de realização, trazendo o ‘vivido’ pra fora das ‘cavernas da historia’. A isso se liga também o que Paul Brousse e Ravachol entendiam por ‘a propaganda pelo fato’” (VANEIGEM, 1974, p.108-109).
 “Os partidos do sacrificio absoluto ao Estado, á causa, ao Füher, esses grandes difamadores da vida, têm em comum com aqueles que opõem às morais e às técnicas da renuncia a sua furia de viver, um sentido antagônico, mas identificamente aguçado da festa. A vida assemelha-se tão espontaneamente a uma festa que, quando torturada por um monstruoso ascetismo, todo o brilho que lhe foi roubado o emprega em destruir-se de um só lance” (VANEIGEM, 1974, p. 115).
“Um militante nunca é revolucionário a não ser indo contra as idéias que aceitou servir. [...] A ideologia é a pedra sobre o túmulo do insurreto. Ela quer impedi-lo de ressuscitar” (VANEIGEM, 1974, p. 116).
“A revolução termina no momento em que se passa a ser necessario sacrificar-se por ela” (VANEIGEM, 1974, p. 116).
“Nada quero saber dos outros que primeiro me não diga respeito. É preciso que eles se salvem de mim como eu me salvei deles. O nosso projeto é comum. Exclua-se que alguma vez o projeto do homem total se funde numa redução do individuo. Não existe castração mais ou menos válida. A violencia apocalíptica da nova geração, o seu desprezo pelas prateleiras de preço único da cultura, da arte, da ideologia, confirmam-no nos fatos: a realização individual será obra do ‘cada um por si’ compreendido coletivamente. E de modo radical” (VANEIGEM, 1974, p. 117-118).
“A função do espetáculo ideológico, artístico, cultural, consiste em mudar os lobos da espontaneidade em pastores do saber e da beleza” (VANEIGEM, 1974, p.119).
“Vista na perspectiva do poder, a vida quotidiana não passa de um tecido de renuncias e de mediocridade. Ela é verdadeiramente o vazio. Uma estética da vida quotidiana faria de cada artista organizador desse vazio. O último sobressalto da arte oficial vai esforçar-se por modelar sob uma forma terapêutica aquilo que Freud tinha chamado com simplicidade suspeita o ‘instinto de morte’, ou seja, a submissão alegre ao poder. Sempre que a vontade de viver não emana espontaneamente da poesia individual, estende-se a sombra do sapo crucificado de Nazaré. Salvar o artista que vive em cada ser humano não se fará regredindo por formas artísticas dominadas pelo espírito de sacrificio. Tudo deve ser retomado pela base” (VANEIGEM, 1974, p. 120-121).
“O que é Deus? O fiador e a quintessencia do mito no qual se justifica o dominio do homem pelo  homem. A repugnante invenção não tem outra desculpa” (VANEIGEM, 1974, p. 123).
“Deus é o principio de toda a submissão, a noite que legaliza todos os crimes. O único crime ilegal é a recusa de aceitar um senhor. Deus é a harmonia da mentira; uma forma ideal na qual se unem o sacrifício voluntário do escravo (Cristo), o sacrifício consentido do senhor (o Pai; o escravo é o filho do senhor) e o seu laço indissolúvel (o Espírito Santo). O homem ideal, criatura divina, unitária e mítica na qual a humanidade é convidada a reconhecer-se, realiza o mesmo modelo trinitário, um corpo submetido ao espírito que o guia para a maior glória da alma, a síntese englobante” (VANEIGEM, 1974, p. 125).
“Quando os povos deixam de ser iludidos, deixam de obedecer” (VANEIGEM, 1974, p. 126).
“A máquina de matar já não reconhece os seus senhores e partir do momento em que os assassinos da ordem deixam de obedecer à fé do mito ou, se se quiser, ao Deus que legaliza os seus crimes” (VANEIGEM, 1974, p.130).
“Está na lógica das coisas que o ultimo ator filme a sua propria morte” (VANEIGEM, 1974, p.132).
“O fato merece ser assinalado: por mais longe que se recue, o dominio da terra e dos homens depende sempre de técnicas invariavelmente consagradas ao serviço do trabalho e da ilusão” (VANEIGEM, 1974, p.132).
“Isso significa também que num sentido, o do governo dos homens, o progresso dos conhecimentos humanos aperfeiçoa a alienação; quanto mais o homem se conhece pela via oficial, mais ele se aliena. A ciencia é o álibi da policia. Ela ensina até que grau se pode torturar sem levar à morte, ela ensina, sobretudo, até que ponto nos podemos tornar o héautontimorouménos, respeitável carrasco de nós mesmos. Como se tornar coisas guardando a aparencia humana e em nome de uma certa aparencia humana” (VANEIGEM, 1974, p. 134).
“Queremos viver, na idéia dos outros, numa vida imaginaria e por isso esforçamo-nos por parecer. Trabalhamos para embelezar e conservar esse ser imaginário e desprezamos o verdadeiro” (PASCAL apud VANEIGEM, 1974, p. 138).
“O espetáculo enxertado na vida cotidiana há muito tempo se adiantou à Pop Art. Era previsível que alguns tomariam por modelo essas colagens — remuneradoras em todos os lances — de sorrisos conjugais, de crianças estropiadas e de gênios habilidosos. De qualquer forma, é aí que o espetáculo atinge o estadio critico, o ultimo antes da presença efetiva do cotidiano. Os personagens roçam excessivamente e perto a sua negação. O fracassado desempenha o seu personagem mediocremente, o inadaptado recusa-o. À medida que a organização espetacular se esboroa, engloba os setores desfavorecidos, alimenta-se com seus próprios resíduos. Cantores afônicos, artistas mesquinhos, premiados infelizes, vedetes insípidas, atravessam periodicamente o céu da informação com uma freqüência que determina o seu lugar na hierarquia” (VANEIGEM, 1974, p. 141).
“A doença mental não existe. É uma categoria cômoda para arrumar e afastar os acidentes de identificação. Aqueles que o poder não pode governar nem matar rotulam-os de loucura” (VANEIGEM, 1974, p. 143).
“Aquilo que se ganha em parecer perde-se em ser e em dever ser” (VANEIGEM, 1974, p. 145).
“As escolas-fábricas, a publicidade, o condicionamento de qualquer Ordem ajuda com solicitude a criança, o adolescente, o adulto a obter lugar na grande família dos consumidores” (VANEIGEM, 1974, p. 149).
“É cômico ouvir os protestos dos humanistas contra a redução dos homens a números, a matrículas. Como se a destruição do homem sob a originalidade em putrefação do nome não igualasse a desumanidade de uma série de algarismos. Já disse que a luta confusa entre os pretensos progressistas e os reacionários andava em volta da questão: deve rebentar-se o homem à cacetada ou utilizando recompensas? Uma bela recompensa é possuir um nome conhecido” (VANEIGEM, 1974, p. 151).
“Outrora morria-se de morte feita vida, em Deus. Hoje o respeito da vide impede tocá-la, despertá-la, tirá-la da letargia. Morre-se por inercia, quando a quantidade de morte que se traz em si mesmo atinge o ponto de saturação. Qual será a academia de ciencias que revelará a taxa de radiações mortais que matam os nossos gestos cotidianos? À força de nos identificarmos com o que não somos nós proprios, de passarmos de um personagem  a outro, de um poder a outro, de uma a outra idade, como deixar de ser essa passagem eterna que é a decomposição?” (VANEIGEM, 1974, p. 169-170).
“Se se destruir a paixão, ela renasce na paixão de destruir” (VANEIGEM, 1974, p. 170).
“Ninguém tem o direito de ignorar que a força do condicionamento o habitua a sobreviver com um centésimo das suas possibilidades de viver” (VANEIGEM, 1974, p. 171).
“Doravante, para elaborar uma coletividade harmoniosa, a teoria revolucionária deverá basear-se já não no comunitário, mas na subjetividade, nos casos específicos, no vivido particular” (VANEIGEM, 1974, p. 175).
“Todas as coisas que Deus criou são comuns a todos. Que a mão se apodere daquilo que o olhar vê e deseje” (JEAN DE BRÜNN apud VANEIGEM, 1974, p. 178).
“O homem verdadeiramente livre é rei e senhor de todas as criaturas. Todas as coisas lhe pertencem, e tem direito de se servir de todas as que lhe agradam. Se alguém o impede, o homem livre tem direito de o matar e de lhe tirar os bens?” (JOHANN HARTMANN apud VANEIGEM, 1974, p. 178).
“Apreender-se na perspectiva das coações é sempre olhar no sentido desejado pelo poder, quer seja para recusá-lo, quer seja para aceitá-lo” (VANEIGEM, 1974, p. 183).
“O condicionamento tem por função colocar e deslocar cada pessoa ao longo da escala hierárquica. A inversão de perspectiva implica uma espécie de anti-condicionamento, não um condicionamento de tipo novo, mas uma tática lúdica: o desvio. A inversão de perspectiva substitui o conhecimento pela práxis, a esperança pela liberdade, a mediação pela vontade de imediato. Consagra o triunfo de um conjunto de relações humanas baseadas em três pólos inseparáveis: a participação, a comunicação, a realização. Inverter a perspectiva é deixar de ver com os olhos da comunidade, da ideologia, da família, dos outros. É apreender-se a si próprio solidamente, escolher-se como ponto de partida e como centro. Fundar tudo na subjetividade e seguir a vontade subjetiva de ser tudo. Na linha de mira do  meu insaciável desejo de viver, a totalidade do poder não passa de um alvo particular num horizonte mais vasto” (VANEIGEM, 1974, p. 198).
“A subjetividade é a única verdade” (KIERKEGAARD apud VANEIGEM, 1974, p. 204).
“A espontaneidade - A espontaneidade é o modo de ser da criatividade individual. Ela é o seu primeiro jorro, ainda imaculado; nem corrompido na fonte, nem ameaçado de recuperação. Se a criatividade é a coisa do mundo mais bem repartida, a espontaneidade, pelo contrário, parece depender de um privilégio. Só a possuem aqueles que uma longa resistência ao poder carregou com a consciência do próprio valor individual: a maioria dos homens nos momentos revolucionários, e mais do que o que se pensa, num tempo em que a revolução se constrói todos os dias. Onde quer que subsista um raio de criatividade, a espontaneidade conserva as suas possibilidades” (VANEIGEM, 1974, p. 205).
“O espaço preciso da vida cotidiana rouba uma parcela de tempo ‘exterior’, graças à qual se cria um pequeno espaço-tempo unitario: é o espaço-tempo dos momentos, da criatividade, do prazer, do orgasmo. O lugar dessa alquimia é minúsculo, mas a intensidade vivida é tal que exerce na maioria das pessoas um fascinio sem igual. Visto pelos olhos do poder, observado do exterior, o momento apaixonado não passa de um ponto irrisorio, um instante drenado do futuro ao passado. Do presente como presença subjetiva imediata, a linha do tempo objetivo nada sabe e nada quer saber. E por sua vez, a vida subjetiva apertada no espaço de um ponto — a minha alegria, o meu prazer, as minhas fantasias — quereria nada saber do tempo do escoamento, do tempo linear, do tempo das coisas. Ela deseja, pelo contrario, aprender tudo com o presente, pois que, afinal, ela nada mais é que um presente” (VANEIGEM, 1974, p. 240).

VANEIGEM, Raoul. A arte de viver para a geração nova. Porto: Afrontamento, 1974.